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Opinião

Quando me passou mesmo pela cabeça que podia ser condenado por escrever

Aparecem sempre malucos nas apresentações; com ou sem perturbações do foro clínico, é uma fauna que faz parte. Este senhor era um desses malucos? Talvez

Estou na feira do livro com a minha filha mais velha e, ao passar no pavilhão da Fundação Francisco Manuel dos Santos, resolvo entrar para lhe contar um pouco da história mais negra da minha família e sobretudo para mencionar as brasas que atravessei há uns anos, quando tanta gente me tentou cancelar por causa da publicação do meu road movie familiar, “Alentejo Prometido”. Varro com os olhos as prateleiras e não encontro o livro; reparo que um senhor também anda à procura do “livro do Raposo”. Não digo nada, mantenho-me atrás da barba e dos óculos escuros. Só que preciso mesmo do livro para oferecer a um amigo. Estou quase a questionar a rapariga quando me lembro de algo que já aconteceu várias vezes, quer com o “Alentejo Prometido”, quer com “As Três Mortes de Lucas Andrade”: alguém tapou o meu livro colocando outros à frente; não um funcionário da livraria, claro, mas alguém que passa. E, sim, foi isso mesmo que aconteceu. Começo a ver as prateleiras de lado, num ângulo oblíquo, lá descubro o meu livro. Tiro o entulho da frente, agarro num exemplar, o outro senhor faz o mesmo. Sinto raiva e vergonha. Não foi um acaso, já aconteceu várias vezes, repito; só que desta vez dói porque estou com a minha filha. Passados tantos anos, o ódio está vivo e permanece fiel. Bem sei que este tipo de reação é um dos melhores elogios que um livro pode receber, mas cansa muito; cansa viver com esta marca de maldito ou de intruso. Não sou capaz de explicar tudo isto à minha filha porque sinto vergonha. Fico ainda a pensar noutra coisa: hoje, com elas já crescidas, talvez não fosse capaz de pisar as brasas de novo.