Matthew Prince, o CEO da Cloudfare, uma empresa multinacional de tecnologia que tem escritório em Portugal, foi para o X tecer uma série de críticas ao país. Lamenta que tudo tenha ficado pior desde que a sua empresa entrou em território nacional, ameaça deixar de investir em Portugal e insta quem possa ter essa intenção a considerar alternativas.
Como sabemos, faz-se sentir uma grande azáfama na sede da Iniciativa Liberal sempre que um americano menciona o nosso país. Quando um CEO se queixa da burocracia do estado português, apodera-se do corpo do liberal aquela excitação causada por uma referência a Portugal num filme ou série estrangeiros. Desta vez não foi diferente: Mário Amorim Lopes, deputado da IL, apressou-se a comentar um dos tweets de Matthew Prince, oferecendo soluções politicamente eficazes.
Pronto, na verdade, foi um convite para um podcast. Para o qual já havia sido convidado outro CEO, que imediatamente aceitou o desafio. Um senhor chamado Pieter Level, que também está sempre nas redes sociais a pedir o Livro de Reclamações de Portugal e que tem uma loja online onde vende bonés que dizem “Faz Portugal Grande Outra Vez”.
Precisamos desesperadamente de um país que funcione bem. E calha bem a iniciativa de Amorim Lopes porque, segundo estudos de reputados economistas, o que vai solucionar todos os problemas do país é uma conversa amena com entrepreneurs que gostavam que os empregados do brunch lhes sorrissem mais, apesar de receberem 870€/mês. Infelizmente, o deputado liberal não obteve uma resposta tão entusiasmada de Matthew Prince.
Muito desagradável. O CEO da Cloudfare remeteu o deputado para o e-mail de imprensa. É curioso que um investidor que se queixa da burocracia erija uma barreira burocrática, o departamento de imprensa da sua empresa, impedindo que um deputado da nação comunique diretamente consigo.
Por outro lado, se olharmos para outras notícias sobre a experiência do CEO da Cloudfare em Portugal, começamos a perceber que aquilo que incomoda Matthew Prince talvez não seja exatamente a burocracia.
Em 2018, Prince já tinha feito um tweet a reclamar do facto de ter esperado uma hora para passar a fronteira no aeroporto de Lisboa. É, de facto, uma experiência exclusiva de países presos nos tempos medievais e irreversivelmente condenados ao terceiro-mundismo: por exemplo, já me aconteceu ao entrar nos Estados Unidos.
Agora, no último fim-de-semana, consta que Matthew Prince terá estado envolvido numa situação de desobediência aos responsáveis de segurança do Aeródromo de Tires. Segundo o director da infraestrutura, o CEO não terá querido que a sua bagagem fosse rastreada, como acontece em qualquer voo civil.
Ou seja, o problema do CEO da Cloudfare não é a burocracia, é ter de cumprir regras como o povão. Bem sei que os entrepreneurs são tratados por alguns como estrelas pop, mas estamos a falar do Matthew Prince, não do Prince. A IL só tem uma forma de evitar ser tratada com indiferença por CEOs: defender os interesses dos empreendedores com pressa na sua proposta constitucional. A constituição tem de ser revista, mas os CEOs não merecem ser revistados.