Opinião

75 anos da Declaração Schuman: a União Europeia faz sentido, ainda

Hoje, dia 9 de maio, celebramos os 75 anos da Declaração Schuman, o texto fundador daquilo que hoje conhecemos como União Europeia. O projeto europeu, que nasceu como resposta política ao trauma civilizacional da guerra entre as nações europeias, recorrente ao longo de séculos, foi, desde a sua génese, um exercício de pragmatismo político assente num ideal: tornar a guerra “não só impensável, mas materialmente impossível”. Esse ideal permanece válido. Mas a realidade internacional contemporânea exige-nos mais do que memória: exige ação

Passadas sete décadas e meia, a União Europeia (UE) é confrontada com um cenário geopolítico de crescente instabilidade, para além dos desafios internos como a fragmentação política e o crescimento do populismo. De facto, os desafios multiplicam-se: a paz que parecia garantida voltou a ser posta à prova com a guerra na Ucrânia, sem fim à vista, e que já dura há mais de três anos; o regresso da administração norte-americana de Donald Trump com a sua abordagem unilateralista e imprevisível, desconfiada das organizações internacionais e das alianças tradicionais; a crescente pressão migratória; as alterações climáticas; as tensões geopolíticas; as ameaças híbridas; a desinformação; o envelhecimento populacional; a dependência militar em relação aos EUA, energética em relação à Rússia e de matérias-primas em relação à China. Todos estes desafios impõem à UE uma reflexão séria sobre a sua capacidade de agir como ator internacional.

Contudo, apesar da sua projeção económica, a UE continua limitada enquanto ator político e de segurança - uma limitação que resulta, em grande parte, da manutenção de competências cruciais nos Estados-membros, nomeadamente na política externa, segurança e defesa. A manutenção da intergovernamentalidade nestes domínios impede (frequentemente) respostas eficazes e coerentes, permanecendo a tomada de decisão fragmentada, dependente de consensos difíceis e frequentemente travada por interesses nacionais divergentes. Esta arquitetura institucional, embora necessária para equilibrar sensibilidades, compromete a autonomia estratégica da União, tornando-a lenta e por vezes ineficaz.

Reforçar a autonomia estratégica da UE implica reforçar as suas capacidades de defesa, diversificar as suas cadeias de abastecimento, garantir segurança energética e investir em inovação e tecnologia de ponta. Nenhum Estado-membro, isoladamente, possui hoje os meios para responder a estes desafios com sucesso. E é por isso que a escolha da ação coletiva, tantas vezes politicamente difícil, é, ainda assim, a única via realista. Só uma União coesa, com recursos partilhados, decisões mais ágeis e verdadeira vontade política poderá garantir a sua relevância internacional e proteger os seus cidadãos.

Os Relatórios de Draghi, Letta e Niinistö, apresentados à Comissão Europeia em 2024, convergem num ponto essencial: a necessidade de avançar com reformas estruturais que permitam à UE preservar a sua competitividade, garantir a segurança dos seus cidadãos e resistir às forças centrífugas do populismo. Mas nada disto será possível sem um verdadeiro compromisso político por parte dos Estados-membros e sem maior solidariedade orçamental.

Celebrar o Dia da Europa é, por isso, celebrar um projeto em constante construção. É reconhecer o muito que foi alcançado, mas também o que falta fazer. Trata-se de reconhecer que a integração europeia não se esgota na criação de mercados ou na livre circulação de pessoas. Trata-se de renovar o pacto europeu, de reconhecer o valor da ação coletiva e de reforçar a convicção de que só juntos poderemos continuar a garantir a paz, a liberdade, a dignidade humana e o bem-estar que o projeto europeu nos proporcionou ao longo das últimas décadas. De facto, a UE continua a fazer sentido, ainda, e por isso devemos celebrá-la.

A história da União Europeia é feita de avanços prudentes, de equilíbrios complexos, mas também de momentos de rutura que abriram caminho à mudança. Neste contexto em que vivemos, aprofundar a integração europeia não é apenas desejável: é uma necessidade imperativa.

Mas há algo tão essencial como as reformas políticas: o apoio e a participação dos cidadãos. Mais umas eleições legislativas antecipadas se aproximam (18 de maio) e o voto continua a ser a forma mais poderosa de defendermos o projeto europeu. Num tempo em que o populismo e o euroceticismo ganham força, precisamos de lembrar que a UE não é uma entidade distante: é o reflexo das escolhas que fazemos ou deixamos de fazer.