Entrei no hospital apático, ou não fosse eu. Depois adormeceram-me. E só mais tarde soube o que sucedeu: incertezas, expectativa, um alarme inesperado, conciliábulos, prognósticos reservados. Deu o tranglomanglo nele. “Era hua vez dez meninas/ de hua aldeya muito probe./ Deu um tranglomanglo nelas/ não ficaram senão nove”, assim começa a medievalista “Xácara das 10 meninas”, de Mário Cesariny. As nove, que só comiam biscoito, passam a oito; depois ficam seis, “em landas de Charles Quinto”, mas dessas não sobram senão cinco; até que, chegados às duas meninas, “ante hu home todo espuma”, deu o tranglomanglo nelas, “transformaram-se em só uma”, essa logo “terrada em coval muy fundo”. E quando a décima morreu, “voltaram as dez ao mundo”. O poema é tragicómico, a contagem decrescente da finitude associada às referências e rimas insólitas e à divertida palavra “tranglomanglo”. Uma a uma, somem-se as meninas, como nos sumimos todos, e quando “voltaram as dez ao mundo” talvez não sejam as mesmas meninas, mas outras quase iguais. E essas também se irão do mundo, até que o mundo se canse deste jogo.
Exclusivo
Tranglomanglo
Deu o tranglomanglo nele. Tinha esta palavra na cabeça desde miúdo. Trata-se, ao que julgo, de uma peça dos braços de uma armadura, mas em linguagem coloquial designava uma doença, um mal ou um bruxedo