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Opinião

Perigo! Figuras de estilo!

A acção de seduzir, influenciar ou deslumbrar é menos bem-sucedida se for levada a cabo com aviso prévio

Amigos chamaram a minha atenção para uma nova e higiénica prática de alguns meios de comunicação, levada a cabo com a admirável intenção de proteger as pessoas indefesas contra os malefícios do discurso não-literal. Como eu estava com dificuldade em acreditar, enviaram-me provas. Por exemplo, um post no Instagram do canal brasileiro GNT. Dizia assim: “Nossa querida Blogueirinha do Fim do Mundo estranhou a atenção que personalidades pretas têm recebido nos últimos tempos e protesta pela minoria branca.” E por baixo vinha a legenda piedosa, entre conspícuos asteriscos: “*Atenção, este vídeo contém ironia*”. Que sorte dos espectadores. Antigamente eram expostos a um vídeo irónico completamente desprevenidos. Tinham de ver o vídeo, avaliar a intenção de quem intervinha nele e tirar conclusões — tudo usando o próprio cérebro, arriscando exaustão e dores de cabeça. Agora podem assistir a vídeos com tranquilidade. O único aspecto negativo deste procedimento é tornar a comunicação ligeiramente ridícula. Até aqui havia um relativo consenso quanto ao facto de a ironia perder alguma da sua potência se fosse precedida de um aviso. Daí não ouvirmos com frequência frases tais como “a próxima afirmação que eu proferir será irónica”. Do mesmo modo, é raro alguém dizer “vou agora seduzir-te”, “estou a dar o meu melhor para te influenciar” ou “permite-me que seja deslumbrante”. Porque, tal como acontece com a expressão de declarações irónicas, a acção de seduzir, influenciar ou deslumbrar é menos bem-sucedida se for levada a cabo com aviso prévio.