Opinião

Uma capacidade de defesa autónoma europeia

A UE tem de investir na sua capacidade de defesa, criar uma capacidade de dissuasão autónoma, integrada na estrutura militar da NATO, capaz de enfrentar e evitar aventuras de adversários e inimigos

Duas décadas depois do fim da Guerra-Fria, o globalismo assumiu prevalência sobre o nacionalismo. Contudo, a partir de 2010, surgiu um grupo de figuras carismáticas, que reviveram os arquétipos antigos dos grandes líderes autoritários, das grandes nações e das grandes civilizações. Na Rússia, Vladimir Putin assumiu o controlo total, numa cruzada de reconstruir o velho império e restaurar o estatuto de Grande Potência.

O Presidente da Federação Russa tem, ao longo dos últimos 3 anos, desde a invasão ilegal da Ucrânia, um comportamento imoral e usurpador. Putin, embora possa ter abdicado temporariamente de conquistar a Ucrânia, continua com o seu objetivo de longo prazo de ter de volta a Ucrânia integrada no império russo. Inteligentemente, não quer a paz, apenas obter um cessar-fogo e um tempo de recuperação das feridas da guerra, com a complacência e o apoio de Trump. Putin é um criminoso de guerra, não respeita as leis e os acordos internacionais, assinados por si ou pelos seus antecessores, fossem eles soviéticos ou russos.

O Presidente americano, Donald Trump, tem tido um comportamento não muito diferente do seu suposto amigo Putin. Desdenha de acordos assumidos pelos EUA, aliena e não respeita os aliados, ameaça e chantageia os amigos. Trump é incapaz de concentrar a sua atenção nos assuntos, não compreende a guerra, desconhece como começou e não sabe como acabá-la, efetivamente parece não haver um plano. Fica a sensação de que os únicos interesses são os negócios e as ameaças de emprego do poder militar americano. Um retorno à definição de Thucydides da política dos poderosos “os fortes fazem o que podem, os fracos sofrem o que devem”.

Ao contrário de muitos “profetas da desgraça” que pululam por essa Europa democrática, onde Portugal não é exceção, o velho continente não está falido, nem corre o risco de ser absorvido por uma Rússia que sonha em reviver o império czarista e soviético perdido. Há problemas difíceis e complexos, é uma realidade, mas tudo isso pode e deve ser resolvido com coesão e unidade entre as nações, com maior ou menor dificuldade. A Europa tem enorme potencial, tem grandes universidades, dispões de cérebros nos diversos campos de atividade científica, prioritariamente precisa de investir na investigação tecnológica e apostar na produção interna, através de construção de mais fábricas, nomeadamente produzir e comprar armamento europeu, isto é, edificar uma forte base industrial de defesa.

Ao contrário do muitas vezes afirmado, a Europa não está desarmada, dispõe de mais de um milhão de militares e tem das mais modernos e sofisticadas armas, podem ser insuficientes, é verdade, mas isso pode ser resolvido através de investimento e produção. As limitações europeias sem o apoio americano, nomeadamente em comunicações e informações satélite e vigilância no campo de batalha, entre outras, não podem ser escamoteadas. As capacidades económicas e militares existem, será que há a vontade?

Os próximos anos serão difíceis para a Europa, Trump tem como objetivo prioritário enfraquecer a Europa, particularmente a União Europeia, que é vista por ele, não como um aliado, mas sim como um adversário. A mudança estratégica dos interesses americanos para o Pacifico eram previsíveis e esperados, os sinais foram muitos e evidentes. Ver a grande nação americana aliada como os interesse da Rússia aliada da China, é anormal, nomeadamente para os interesses geopolíticos e geoestratégicos americanos.

A maior ameaça ao Velho Continente, ao contrário do expectável, é a América, pelo menos em termos comerciais. Contudo, a ameaça da Rússia nunca poderá ser descartada, ela existe, é real, nomeadamente em termos convencionais e híbridos. A Europa está a acordar para estas realidades e a assumir que tem de investir fortemente na sua defesa. Trump foi bem claro, a defesa da Europa para a América não é prioridade e não respeitará o artigo V, pilar da NATO, em defesa dos europeus. É cedo para anunciar a morte da Aliança Atlântica, a Europa, nomeadamente a UE, tem de investir na sua capacidade de defesa, criar uma capacidade de dissuasão autónoma, integrada na estrutura militar da NATO, capaz de enfrentar e evitar aventuras de adversários e inimigos.

A agressão da Rússia e os três anos de guerra, são injustos, ilegais e indesculpáveis. A Rússia, mesmo numa paz negociada, não poderá sair impune perante a comunidade internacional, houve graves violações das leis internacionais e dos tratados internacionais assinados pela Rússia, foram cometidos crimes de guerra.

A Europa atravessa uma grave crise securitária, todavia os governantes e os políticos nacionais ainda não interiorizaram essa realidade. Os assuntos militares continuam completamente ausentes do discurso político nacional. A cultura estratégica em Portugal é fraca ou inexistente, esquecemos a nossa geografia marítima, a nossa contribuição devida para a defesa cooperativa europeia é mínima.