Opinião

Seis paisagens políticas

A era da política previsível, com alianças fixas e esferas de influência bem definidas, chegou ao fim. Entre interlúdios e absurdos, vivemos um cenário em que o presente requer uma interpretação não linear

No poema Seis Paisagens Significativas, Wallace Stevens explora a relação entre o homem, a efemeridade e o pensamento racional. A sua visão convida-nos a desafiar a lógica previsível e a reinterpretar um mundo em transformação. Assim, proponho seis paisagens para decifrar a realidade política envolta na bruma dos dias.

1. Estados Unidos e a nova ordem mundial

Paralelamente à Conferência de Segurança de Munique, realizada em fevereiro, teve lugar outra conferência do outro lado do mundo, no Indo-Pacífico: o Fórum Pacífico, integrado no Fórum de Defesa de Honolulu. O evento passou despercebido, mas o discurso inaugural do Almirante Paparo revelou pistas sobre as prioridades dos Estados Unidos e dos seus aliados, especialmente no Indo-Pacífico: conter a expansão aérea e naval da China.

No centro do fórum estiveram líderes da Austrália, Coreia do Sul, Japão e Filipinas, enquanto a presença europeia foi discreta. Este cenário reflete, de certa forma, a nova ordem mundial – enquanto os Estados Unidos e os seus parceiros na região se preparam para enfrentar os desafios emergentes, a Europa ainda digere os resquícios do passado.

2. A neuroplasticidade

No seu poema, Stevens revela como a percepção molda a realidade, refletindo a essência da neuroplasticidade – a capacidade de adaptação e reorganização, não apenas do cérebro, mas também das ideias e da própria ordem mundial.

"O estranhamento do mundo" é uma expressão alemã que espelha a atual conjuntura da política internacional. Aquilo que parece absurdo merece, no mínimo, uma probabilidade, e os discursos ou momentos erráticos a que assistimos devem ser interpretados com prudência e discernimento.

3. Geoeconomia

Tanto falamos de geopolítica que nos esquecemos da importância da geoeconomia. Tal como nos versos do poema, medimo-nos contra árvores imponentes – grandes potências – e acreditamos alcançar o sol com o olhar ou ouvir o mar ao longe. O verdadeiro poder geoeconómico reflete-se nas infraestruturas invisíveis: nos cabos submarinos que transportam dados e nas redes energéticas que sustentam as economias.

Cenários hipotéticos, como divisões energéticas, podem dar lugar a blocos políticos, criando uma espécie de cortina de ferro energética entre exportadores e consumidores, obrigando a uma nova abordagem estratégica. Outro possível realinhamento entre Moscovo, Washington e Riade poderia reduzir a dependência russa da China e redefinir o equilíbrio energético global.

4. Europa – porque é que isto me acontece a mim?

O filósofo Peter Sloterdijk escreve sobre a condição de um animal que se depara consigo mesmo, aspira a feitos grandiosos, mas muitas vezes caminha sem sair do lugar. De certa forma, o comportamento atual dos atores europeus reflete um momento existencial da sua presença – o ser-aí, nas palavras de Heidegger, o Dasein.

A Europa surpreende-se a si mesma, como se fosse uma descoberta inesperada. Este bloco errático debate-se agora com a sua inquietação perante a mudança da política externa americana, onde a dependência da relação transatlântica está a mudar, sem, no entanto, se romper. O processo de afirmação europeia já começou, mas estamos atrasados na forma como delineamos esse percurso em conjunto, unidos enquanto povo europeu.

5. Alterações climáticas e a energia nuclear

Um momento Oppenheimer pode estar a emergir, desta vez com duplo sentido – entre a destruição e a renovação. Num cenário de alterações climáticas e incertezas geoenergéticas, a energia nuclear apresenta-se como uma solução para reduzir as emissões de carbono, ao mesmo tempo que reforça a autonomia estratégica e a resiliência energética das potências.

A introdução de reatores modulares pequenos e o avanço das tecnologias de fusão e fissão podem tornar o nuclear uma alternativa plausível. Os custos serão elevados? Sim. Mas a realidade geoeconómica e geopolítica pode acelerar este processo, impulsionando o surgimento de soluções privadas para a energia nuclear e assim, redesenhar o mapa energético.

6. O novo século tecnopolítico

Neste novo século político, onde a democracia se funde com a tecnologia numa relação simbiótica, emerge o Leviatã digital. Os Estados e as empresas tecnológicas competem para construir e controlar espaços virtuais, moldando realidades, narrativas e influência. A soberania dissolve-se na fluidez das plataformas tecnológicas, enquanto a tecnopolítica se impõe como a nova arena do poder.

Nesta luta ontológica, assistimos a uma programação geopolítica do mundo virtual, que por sua vez, molda o mundo híbrido em que vivemos. Esta transmutação cria teias de poder para consolidar interesses e realidades económicas e sociopolíticas, que ainda não estamos preparados para compreender.

No poema, Wallace critica os racionalistas, presos aos seus chapéus quadrados e modelos lineares. E nós, seremos capazes de arriscar o sombrero?