Opinião

Como crescer sem imigração?

Eliminar as manifestações de interesse, por si só, sem prejuízo de podermos sempre melhorar, é um logro e não representa uma alternativa credível a uma política económica e social justa. E pior: faz aumentar a ideia de que temos imigrantes ‘a mais’. E que tivemos as portas ‘escancaradas’

Os portugueses viveram anos habituados (e penalizados em muitas circunstâncias) por uma excessiva centralidade do tema orçamental. E vivemos também anos (décadas) de contínuo défice da balança comercial. Adicionalmente, todos se lembrarão de como o combate ao desemprego era a principal prioridade dos partidos políticos nas eleições legislativas de 2015. Já nos esquecemos que há 10 anos o país chegou a ter 1 milhão de desempregados?

Estes temas foram sendo ultrapassados. Do défice ao excedente – na Balança de Bens e Serviços e na execução dos OE – a que se somou outro tema: o crescimento económico. Depois de um período centrado na recuperação de rendimentos, o país passou a discutir como crescer mais. É saudável. Revela um caminho percorrido.

É assim que chegamos ao tópico da imigração. Portugal, no período 2020-2023, incluindo aqui o período (muito difícil) de gestão da pandemia, cresceu mais 75% que a Zona Euro (6,53% e 3,73% - valores acumulados, incluindo o ano de decréscimo acentuado em 2020). E isso só foi possível porque durante a pandemia, foram implementados instrumentos como o lay-off simplificado para garantir a continuidade de muitas empresas e empregos que estiveram em risco pelo efeito devastador do Covid-19, permitindo uma recuperação rápida, com as exportações, o consumo interno e o investimento a verificarem um aumento significativo.

Para ilustração, a exportação de bens agrícolas duplicou o seu valor nominal entre 2015 e 2023, atingindo quase 6 mil milhões de euros (triplicou face a 2010). Entre 2019 e 2023 aumentou quase 50%. As transações internacionais de ‘Viagens e Turismo’ representaram quase 25% da variação de exportações entre 2010 e 2023 e mais do que duplicaram face a 2015. Mais de 25 mil milhões de euros em 2023, face aos 11 mil milhões de euros em 2015. Segundo o Banco de Portugal, as exportações nacionais cresceram ganhando quota de mercado (2016-2023): 1,7% nos bens, 3,6% nos serviços. O mercado de trabalho atingiu máximos de 20 anos (ultrapassou os 5 milhões de empregos).

O famoso excedente orçamental – que muitos diabolizam erradamente – não é mais que um superávit da Segurança Social. Um olhar atento ao Orçamento de Estado 2025, aprovado na Assembleia da República, percebe que a Administração Central tem um défice pronunciado; são os quase 6 mil milhões de euros de excedente da Segurança Social que permitem o (re)equilíbrio final. Não é por acaso que este excedente compagina a entrada de novos imigrantes com uma baixa taxa de desemprego (muito perto da taxa natural, com um aumento significativo do salário mínimo e do salário médio em Portugal).

Este crescimento e estes resultados estão ligados à possibilidade de um fluxo migratório controlado e que alimentou este crescimento de forma mais pronunciada entre 2022 e 2023.

Sem o contributo essencial dos imigrantes não há excedentes. Sem o trabalho e contribuições de imigrantes não há a jusante aumentos de salários e pensões. Nem de prestações sociais como o CSI, o RSI ou outras de natureza não contributiva. Não há possibilidade de aumento do período de licença de parentalidade remunerada, como se debate nos dias que correm (e está em processo legislativo) na Assembleia da República.

Numa economia aberta, fortemente integrada no mercado interno da União Europeia, um equilíbrio entre oferta de trabalho e fluxos migratórios responde aos momentos de crescimento e de recessão e não há nem Estado Social que possa viver sem imigrantes, sob pena de ser ele próprio limitado ou ‘asfixiado’ pela ausência de crescimento económico, nem Planeamento Central que garanta de forma mecânica a antecipação de muitos desses fluxos e dos recursos necessários ao acolhimento. Aliás, porque em grande medida, como é evidente, os recursos necessários dependem dos próprios fluxos migratórios.

A forma como estamos a debater este assunto em Portugal – e há que dizê-lo, está a ocorrer inexoravelmente a reboque de preconceitos e perceções que a extrema-direita explora no seu interesse – é perigosa, e deixa de fora todo o acervo de estudo sobre as migrações, a natureza da imigração e refugia-se em lugares-comuns que não têm outro resultado que não o fechamento do país a um fluxo de recursos humanos necessário ao próprio desenvolvimento da economia portuguesa e do Estado Social.

As condições de equilíbrio das contas públicas e a sustentabilidade da Segurança Social precisa de imigrantes e, claro, o acolhimento destes deve e pode melhorar. Há muito seguramente a fazer.

Eliminar as manifestações de interesse, por si só, sem prejuízo de podermos sempre melhorar, é um logro e não representa uma alternativa credível a uma política económica e social justa. E pior: faz aumentar a ideia de que temos imigrantes ‘a mais’. E que tivemos as portas ‘escancaradas’, baralhando (mal) os 400 mil pedidos de regularização com a existência de novos imigrantes, ou mesmo criando a perceção que todos diziam respeito a Manifestações de Interesse. Sabemos que é falso. Cabe-nos construir políticas a partir da verdade, dos factos, da vontade de melhorar a nossa vida em comunidade, escorados nas firmes convicções humanistas que deram forma à nossa democracia (e ao PS) durante os últimos 50 anos.


PS: o meu camarada, e amigo, Ascenso Simões escreveu aqui, neste periódico, um texto onde assume que o artigo que publiquei no jornal ‘Público’ tinha como pressuposto a entrevista do Secretário-Geral do PS ao Expresso. Foi um processo dedutivo, uma lógica causa-efeito, que não corresponde à verdade. Acontece aos melhores, como o Ascenso. Foi escrito antes e entregue antes. Não tem nem mais uma vírgula. O facto de o associar a esse facto diz mais sobre a forma, a lente, com que alguns viram a entrevista, do que em bom rigor sobre aquilo que escrevi, com uma crítica clara às opções do Governo e reivindicando as opções humanistas, integradoras e respeitadoras dos Direitos Humanos que enformam as posições do PS. Bastava ler o primeiro parágrafo.