Pertenço à geração que viu tudo acontecer. Na primeira metade da minha vida convivi com os progressos das gerações anteriores, nesta segunda metade, a velocidade supersónica, ainda fui a tempo de entrar no comboio das sucessivas tecnologias, tão rápidas que se diria atropelarem-se, e uma semana ou duas pode bastar para não darmos por uma, e já lá vem outra. Veja-se a reciclagem. Antes de mais, a simples ideia de reciclar. Na infância não existia. Ninguém perdia tempo a matutar se de facto nada se perde ou se cria, que tudo se transforma. Com o lixo doméstico à cabeça. Tínhamos um único caixote na cozinha, destino comum de espinhas de peixe, cotonetes, embrulho dos presentes de Natal e garrafas de Sumol. Começou pelos vidrões, se bem se recordam. Antes ainda das variantes papel, plástico, óleo alimentar. Sou de natureza disciplinada, metódico, um pouco obsessivo, aderi e nunca larguei. Reciclo pela grande Natureza e por natureza de temperamento. Acontece que me vou sentindo derrotado. De todas as vezes que levo um enorme caixote de artigos separados até ao composto reciclatório, e lá fico alguns minutos, ora isto vai aqui para o azul, isto para o verde, isto aqui para o amarelo (quase tudo o que levo é de plástico porque quase tudo o que me vendem vem em plástico...) Ali, onde separo com receio de me enganar num lixo ou outro, estão sacos pelo chão, e o volume e cheiro não enganam: porcaria básica que tanta gente deixa ali porque alguém há de limpar. Já falei deste nojo. Adiante. Faço o meu papel (piada involuntária). Convenceram-me de que ajudo o planeta. Depois, num documentário, num artigo de revista, numa entrevista com alguém que reflete sobre a luta ambiental, lá vem mais uma evidência de que tanta desta separação conscienciosa que fazemos acaba comprimida num mesmo aterro.
Exclusivo
Reciclagem e uma pergunta ao contrário
É a nossa capacidade de mudança que nos guia pela vida. É o que nos salva de uma adolescência eterna