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Opinião

Dores de crescimento

Um moldavo está a morrer afogado no lodo do Samouco ao mesmo tempo que um hipster francês abre uma incubadora de unicórnios na outra ponta de Lisboa

Raquel Moleiro, repórter deste jornal, publicou há uns anos uma reportagem magnífica, “Os escravos do rio”, que contava a história dos imigrantes ilegais no trabalho clandestino que é a apanha da amêijoa na outra banda do Tejo. No final da Ponte Vasco da Gama, se olhássemos à nossa direita para o Samouco, víamos enterradas no lodo estas figuras desumanizadas, criaturas anfíbias numa faina escrava por duas razões. Primeira: é dura e mal paga; uma pessoa está ali com lodo até ao peito para ganhar uns tostões. Segunda: estes homens estavam na prática nas mãos das redes de tráfico humano. Na época, a reportagem ganhou prémios pela sua qualidade até literária, mas política e mediaticamente pouco ou nada mudou, porque estes tritões escravizados continuaram na sua labuta clandestina debaixo do nariz da cidade, que, na prática, não quer saber dos seus escravos do flanco ribeirinho. Era assim no tempo dos esteiros branquíssimos, é assim neste tempo de esteiros acastanhados.