Opinião

A perspetiva de género nas operações militares

A experiência acumulada pelas Forças Armadas portuguesas demonstra que a integração da perspetiva de género não é apenas uma escolha ética, mas também uma necessidade estratégica

A perspetiva de género nas operações militares é frequentemente simplificada ou condicionada por preconceitos institucionais e culturais. Muitas vezes reduzida a uma questão de igualdade entre homens e mulheres nas fileiras militares, esta abordagem negligencia o seu potencial estratégico. Mais do que um objetivo de justiça social, a integração da perspetiva de género é uma ferramenta essencial para a eficácia e relevância operacional das Forças Armadas portuguesas.

Quando plenamente compreendida, a perspetiva de género envolve a análise das implicações das ações militares para diferentes grupos – homens, mulheres, adultos e jovens, combatentes e não combatentes. Reconhecer essas diferenças permite atuações mais inclusivas, eficientes e sustentáveis em cenários de conflito, missões de paz e ajuda humanitária.

O género, enquanto constructo social dinâmico, reflete características, interesses, necessidades e comportamentos associados aos sexos masculino e feminino, moldados por realidades culturais, históricas e sociais de cada comunidade. Estas circunstâncias, variáveis entre sociedades, exigem que as Forças Armadas adaptem constantemente as suas estratégias, integrando a perspetiva de género em todos os níveis de planeamento e execução, para responderem, com sensibilidade e eficácia, às especificidades de cada ambiente operacional.

Neste contexto, a integração da perspetiva de género nas operações militares não se limita à igualdade formal de participação entre homens e mulheres. Trata-se de compreender como as dinâmicas de género influenciam essas intervenções e de incorporar esse conhecimento no planeamento militar, maximizando a eficácia das ações e minimizando os seus impactos negativos nas comunidades afetadas.

Em 1988 as mulheres integraram as Forças Armadas portuguesas e, a partir de 1996, têm acesso irrestrito a qualquer posto, especialidade ou função. Participam ativamente em missões nacionais e internacionais, incluindo as conduzidas pela ONU, NATO e União Europeia. A sua presença contribui, não só para o sucesso operacional, mas também para a legitimidade das Forças Armadas junto das populações locais, que percebem a abordagem sensível ao género como um sinal de respeito e inclusão.

As Forças Armadas portuguesas têm seguido uma conduta agregadora para a promoção da perspetiva de género em diferentes níveis de atuação.

A nível político, as orientações emanam da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, de 2000, que enfatiza a inclusão das mulheres em processos de paz e segurança. Em Portugal, o Plano Setorial da Defesa Nacional para a Igualdade (2019-2021) transformou essas diretivas em medidas concretas, promovendo a formação em Mulheres, Paz e Segurança e incluindo esta agenda no planeamento e execução das operações militares.

A nível estratégico, a análise de crises, a geração de forças e a avaliação de ameaças incorporam considerações de género para compreender as dinâmicas culturais, históricas e sociais que moldam cada conflito. Esta abordagem reforça a capacidade de planeamento e resposta adaptável às especificidades das diferentes áreas de atuação.

A nível operacional, o enfoque de género orienta ações como a proteção de civis e a avaliação do impacto das intervenções nas comunidades. Essa análise detalhada permite compreender os desafios enfrentados por grupos vulneráveis e adaptar soluções que minimizem os danos e maximizem os benefícios das intervenções militares.

A nível tático, a ótica de género manifesta-se em práticas como a formação de equipas mistas, a escolha de intérpretes sensíveis às especificidades locais e a criação de espaços seguros para o diálogo com mulheres e grupos vulneráveis. Estas iniciativas promovem a confiança, fomentam as parcerias e aumentam a eficácia das missões.

Nas Forças Armadas portuguesas, a integração da perspetiva de género abrange desde o planeamento inicial das operações até à sua avaliação final,. No planeamento, analisa-se o impacto das operações militares nos diferentes grupos sociais. Durante a execução, a monitorização contínua ajusta as estratégias para atender às necessidades emergentes das populações locais, garantindo maior eficácia e menor impacto negativo. A avaliação pós-operação permite identificar as boas práticas e as lições aprendidas, enriquecendo o conhecimento institucional e fortalecendo as capacidades futuras.

A experiência acumulada pelas Forças Armadas portuguesas demonstra que a integração da perspetiva de género não é apenas uma escolha ética, mas também uma necessidade estratégica. Esta abordagem fortalece a capacidade de compreender e interagir com as complexidades culturais, históricas e sociais dos diferentes contextos operacionais, promovendo a eficácia e a legitimidade das missões.

Para além de aumentar os resultados operacionais, a integração da perspetiva de género contribui para a construção de uma sociedade mais igualitária e resiliente. Não é um luxo nem um mero ideal de igualdade nas nossas Forças Armadas. É uma ferramenta indispensável para enfrentarem os desafios do século XXI, assegurando que permanecem adaptáveis, eficazes e comprometidas com os valores de justiça e inclusão.

Ao cultivarem esta abordagem, os militares portugueses reafirmam a sua função como agentes de transformação para um mundo mais seguro e equitativo. Este compromisso, para além de elevar a reputação das Forças Armadas em cenários internacionais, também reforça a coesão social e o respeito pelos direitos humanos nos âmbitos nacional e global.