Opinião

O cálculo multivariável na Defesa

Atingir os 2% do PIB em despesas de defesa até 2029 exige mais do que um aumento direto do orçamento anual de defesa: requer a aplicação de um cálculo multivariável integrado num plano estratégico sólido

Na Cimeira de Gales, em 2014, os países da NATO comprometeram-se atingir, até 2024, 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em despesas de defesa, dos quais 20% para investimento em novas capacidades. Este esforço coletivo visa alcançar uma partilha mais equitativa dos encargos financeiros e operacionais entre os aliados, numa conjuntura internacional cada vez mais volátil, complexa e exigente.

Para Portugal alcançar essa meta até 2029, conforme anunciado recentemente pelo Governo, a tarefa vai além de um simples aumento do orçamento anual de defesa. Será necessário garantir que os recursos adicionais provocam melhorias na preparação e emprego das Forças Armadas, tornando-as mais aptas a cumprirem as suas missões. Para isso, importa conceber e executar um plano estratégico robusto e fundamentado, que alinhe os recursos disponíveis com os objetivos de defesa nacional, incluindo os compromissos internacionais.

Esse trabalho requer um cálculo multivariável, que considere três dimensões principais: o fortalecimento da dissuasão e defesa transatlântica, alinhado com os compromissos em diferentes flancos estratégicos; o aumento dos efetivos militares, associado à melhoria das condições estatutárias; a distribuição equilibrada do orçamento nas rúbricas de pessoal, operação e manutenção, e investimento.

Neste artigo, exploramos como estas três variáveis se interligam e poderão ser integradas num plano estratégico com objetivos específicos, prazos claros e um mecanismo de monitorização contínua para realizar ajustes dinâmicos.

A primeira variável coloca os Açores no centro das preocupações de dissuasão e defesa transatlântica. A localização geográfica do arquipélago confere-lhe uma função essencial no apoio à operação das forças da NATO no Atlântico Norte, sobretudo diante do aumento da atividade naval russa. Este contexto exige uma presença aeronaval portuguesa constante e capaz de dissuadir potenciais ameaças, bem como a realização dos correspondentes investimentos na Base Aérea das Lajes e no Porto da Praia da Vitória.

Simultaneamente, Portugal deve manter os seus compromissos nas missões da NATO nos países Bálticos e na Roménia, porque a dissuasão no flanco Leste europeu é prioritária no curto prazo. Além disso, entre outras, afigura-se relevante continuar a participação nas operações da UE e da NATO no Mediterrâneo e na costa ocidental de África, bem como na missão da ONU na República Centro-Africana. Estas obrigações reforçam a necessidade de armamento tecnologicamente avançado e de capacidades militares modernas, que garantam eficácia na defesa coletiva e na promoção da estabilidade regional e global.

A segunda variável envolve o aumento dos efetivos militares para 30.000, associado à melhoria das condições estatutárias. O reforço dos recursos humanos é indispensável para enfrentar as exigências crescentes da defesa nacional e das missões multinacionais. Contudo, este aumento não se limita à quantidade, pois também requer superior atratividade da carreira militar, o que poderá ser conseguido com melhores condições salariais, acesso a formação contínua e a prestação de apoio médico e social robustos. Além disso, é importante investir nas qualificações dos efetivos, alinhando-as com os padrões da NATO, assegurando que Portugal contribui para as operações da Aliança e mantém a capacidade de resposta necessária às suas responsabilidades estratégicas.

A terceira variável refere-se ao equilíbrio orçamental, garantido pela distribuição ideal dos recursos financeiros em três rúbricas principais: 55% para pessoal; 25% para operação e manutenção; e 20% para investimentos em material e infraestruturas. Este modelo, adotado entre os aliados da NATO, promove uma gestão eficiente dos recursos. A atribuição ao pessoal reflete a importância de assegurar salários justos e condições apropriadas para atrair e reter os efetivos necessários. Os recursos destinados à operação e manutenção viabilizam o cumprimento das missões com meios em estados operacionais adequados. O investimento em material e infraestruturas é crucial para garantir a aptidão tecnológica e enfrentar desafios emergentes.

Nas circunstâncias expostas, o cumprimento da meta dos 2% do PIB em despesas de defesa até 2029, depende de um plano estratégico abrangente e ajustável. Este plano permitirá combinar uma administração adequada dos recursos anuais, com o alinhamento das prioridades nacionais e dos compromissos internacionais, promovendo o crescimento sustentado das capacidades militares do país.

Em simultâneo, importará estabelecer um mecanismo de monitorização contínua que acompanhe o progresso, identifique as dificuldades e ajuste os objetivos, recursos e prazos às circunstâncias em constante mudança. Este sistema de controlo permitirá uma resposta rápida aos desafios da operacionalização do plano estratégico, preservando a sua eficácia e relevância ao longo do tempo. Também contribuirá para evitar o agravamento do atraso na observância dos compromissos da Cimeira de Gales.

Em síntese, atingir os 2% do PIB em despesas de defesa até 2029, exige mais do que um aumento direto do orçamento anual de defesa: requer a aplicação de um cálculo multivariável integrado num plano estratégico sólido. Esta abordagem permitirá a Portugal não só assumir os encargos financeiros e operacionais da NATO em linha com os aliados, mas também melhorar a preparação e o emprego das Forças Armadas, tornando-as mais aptas a cumprirem as suas missões. A sustentabilidade desse esforço será o alicerce para o país equilibrar as suas obrigações internacionais com a capacitação militar, contribuindo para a segurança e a estabilidade num mundo em rápida transformação.