Opinião

O que acontecerá se Trump for reeleito?

Tenho esperança de que o quadro fundamental dos pesos e contrapesos instituído pelos Pais Fundadores dos EUA sobreviva a mais quatro anos de Trump, que daqui a várias décadas será visto como uma aberração temporária na longa história democrática da América

A poucos dias das eleições presidenciais norte-americanas, as sondagens indicam um empate entre Donald Trump e Kamala Harris, tendo ambos 50% de hipóteses de ganhar. A equipa de Trump está confiante de que ele vai ganhar, e pode ter razão. Vamos rever em resumo quais são as consequências de uma reeleição de Trump.

Ao contrário do que acontecerá se Trump perder, Kamala Harris concederá graciosamente se Trump ganhar; haverá uma transferência suave de poder da Administração Biden para uma segunda Administração Trump.

Trump ficou tão surpreendido como todos nós quando ganhou as eleições em 2016, pois não se tinha preparado devidamente para o seu papel de Presidente. Teve dificuldade em reunir uma equipa para governar, incluindo muitos que não partilhavam completamente a sua agenda e, durante o seu mandato, a sua própria equipa foi a que mais controlou as suas ações. Foi frequentemente impedido de implementar muitas das suas ideias mais radicais. Desta vez, as coisas são muito diferentes: terá aprendido com a sua experiência anterior, teve tempo para reunir uma equipa de pessoas totalmente leais a si e tem agora o apoio integral de um Partido Republicano que controla totalmente. Será muito mais eficaz a levar por diante a sua agenda pessoal. Penso que seria um erro pensar que não aplicará a maior parte das coisas que declarou querer fazer. No entanto, para muitos assuntos internos, terá de os fazer passar por um novo Congresso, eleito a 5 de novembro.


Se Trump ganhar as eleições, é praticamente certo que os republicanos ganharão o controlo do Senado, mas apenas por uma pequena margem, insuficiente para mobilizar os 60 votos necessários para ultrapassar as regras de obstrução do Senado. Mesmo que Trump consiga a Presidência, é provável que os democratas recuperem o controlo da Câmara dos Representantes. Se for esse o caso, com cada câmara controlada por um partido diferente, Trump terá dificuldade em aprovar qualquer nova legislação importante e o impasse no Congresso continuará a ser a regra em Washington. Mesmo no caso improvável de os republicanos ganharem o controlo de ambas as câmaras do Congresso, a regra da obstrução do Senado impedirá a Administração de aprovar a maioria dos grandes diplomas legislativos. Mas Trump pode e vai conseguir legislar muito com ordens executivas, revertendo as ordens executivas de Biden em muitas áreas, como a imigração e a regulamentação ambiental e empresarial.

Contrariamente ao que se passa com a política interna, o Presidente dos EUA tem uma vasta autoridade direta sobre a política externa, incluindo o poder de se retirar de tratados. Trump tornou claros os objetivos de política externa que procurará implementar, incluindo:

  • adotar uma postura mais isolacionista, o que representa uma grande mudança na abordagem dos EUA, substituindo a ideia de que os EUA têm responsabilidade enquanto líder em alianças globais e em iniciativas multilaterais com uma abordagem transacional, país a país, aplicável a todas as áreas da política externa;
  • retirar o apoio dos EUA às instituições internacionais, com uma redução significativa da ajuda externa e das contribuições financeiras para todas as instituições internacionais;
  • e concentrar-se na China como o principal adversário dos EUA.

As consequências desta mudança fundamental são bastante claras:

  • para a Ucrânia, os EUA liderados por Trump reduzirão significativamente o apoio financeiro, insistindo que a guerra na Ucrânia é um problema europeu, a ser tratado e financiado pelos europeus. Trump pode também tentar chegar a um "acordo" com Putin, mas não estou convencido de que vá investir capital político numa proposta de solução que será certamente rejeitada pela Ucrânia, pelo menos no início do seu mandato;
  • suspeito que Trump não irá ao ponto de retirar os EUA da NATO, mas enfraquecerá significativamente a aliança ao reduzir o envolvimento dos EUA. Fala-se de uma política de "dormência" da NATO, deixando uma NATO enfraquecida mais vulnerável à agressão russa;
  • no Médio Oriente, por um lado, Trump deixará Netanyahu completamente livre para prosseguir a sua própria agenda, mas não será tão apoiante de Israel como foi Biden. Da mesma forma, Trump assumirá uma postura muito agressiva em relação ao Irão, pondo fim a qualquer perspetiva de novas negociações sobre as suas capacidades nucleares, mas, uma América liderada por Trump estará menos disposta a fornecer apoio militar e financeiro ativo para combater o Irão ou os seus representantes na região, o que fará com que o Irão possa ter maior liberdade para criar instabilidade do que acontecia com a Administração Biden. Há também a perspetiva de que Trump adoraria chegar a um "acordo" entre a Arábia Saudita e Israel, talvez contribuindo para um verdadeiro progresso neste impasse de longa data no Médio Oriente.
  • o tom das relações internacionais tornar-se-á mais conflituoso; as relações com a Europa não serão agradáveis, nem fáceis.

Eu sugeriria que o impacto mais significativo de uns EUA mais isolacionistas sob a liderança de Trump é duplo:

  • a ausência dos EUA deixará um vácuo de poder em várias áreas, criando a tentação de outras nações intervirem e, de um modo geral, contribuindo para uma maior instabilidade no mundo;
  • num mundo que está a enfrentar uma série de enormes problemas globais (a saber: alterações climáticas, o impacto da IA, possíveis novas pandemias, problemas que só podem ser resolvidos através de uma ampla cooperação internacional, incluindo, obviamente, entre as duas maiores potências, os EUA e a China), uma presidência Trump não contribuirá em nada para o progresso destas questões que exigem uma cooperação diplomática complexa na cena mundial.

Podemos especular sobre outras consequências específicas de uma segunda presidência de Trump:

  • Taxas alfandegárias: há controvérsia sobre se o Presidente terá autoridade para impor as taxas alfandegárias gerais que Trump disse querer aplicar, como por exemplo de 10%-20% sobre todas as importações e de 60%-100% sobre as importações da China. Acredito que Trump conseguirá impor estas taxas parcialmente, perturbando grande parte do atual equilíbrio financeiro nas relações comerciais internacionais.
  • Alterações climáticas: Trump reduzirá significativamente a regulamentação dos EUA que limita a produção de petróleo e gás e promove fontes de energia mais limpas, mas, neste domínio, poderá ter menos impacto do que no seu primeiro mandato, quando retirou os EUA dos Acordos de Paris. As empresas norte-americanas aceitaram a necessidade de reduzir as emissões de carbono, muitos Estados dos EUA assumiram a liderança em vez do Governo Federal na promoção de uma agenda de energia limpa. E o Congresso não estará disposto a reverter a Lei de Redução da Inflação de Biden, que fornece centenas de milhões de dólares para projectos de energia limpa, nomeadamente em muitos Estados republicanos.
  • Impostos: as reduções de impostos que Trump aprovou em 2017 deverão expirar em 2025. O Presidente procurará renová-las e, provavelmente, terá sucesso em parte. Tentará também reduzir outros impostos, por exemplo, o imposto sobre as sociedades (atualmente 21%) ou o imposto sobre as mais-valias. No entanto, novas reduções que levem a um aumento do défice e da dívida nacional dos EUA encontrarão resistência por parte dos republicanos conservadores no Congresso que estão preocupados com o elevado nível da dívida pública.
  • Imigração: durante o governo de Trump, será mais difícil emigrar para os EUA e tentará deportar alguns dos 10 a 12 milhões de imigrantes ilegais que se suspeita estarem no país, mas há muitos obstáculos legais e administrativos a ultrapassar e, provavelmente, terá de se contentar com um número relativamente pequeno de deportações.
  • Nomeações judiciais: partindo do princípio de que o Senado é controlado pelos republicanos, os democratas serão impotentes para impedir Trump de nomear mais juízes de extrema-direita em todos os níveis do sistema judicial federal, assegurando o seu impacto no sistema americano muito para além dos limites do seu mandato.

Conseguirá Trump enfraquecer seriamente a democracia americana? Penso que sim, com certeza, com uma estrutura executiva que responde melhor aos seus desejos e um sistema judicial cada vez mais de direita na sua interpretação da Constituição e do quadro jurídico dos EUA. Trump utilizará o governo federal para perseguir as pessoas que considera seus inimigos - todos os que não o apoiaram - e alimentará as chamas já acesas da raiva dos americanos contra os americanos, contribuindo para um período de turbulência acelerada. No entanto, tenho esperança de que o quadro fundamental dos pesos e contrapesos instituído pelos Pais Fundadores dos EUA sobreviva a mais quatro anos de Trump, que daqui a várias décadas será visto como uma aberração temporária na longa história da história democrática da América. Embora esteja pessoalmente horrorizado e consternado com a ideia de que ele possa vir a ser reeleito, lembro-me de que já sobrevivemos a quatro anos de Trump como Presidente e que também sobreviveremos a uma segunda vez.