Opinião

A desinformação pró-Kremlin está a desfigurar a democracia na Europa Central e Oriental

A UE deve abordar a questão da captura dos meios de comunicação social e apoiar os meios de comunicação independentes e as organizações da sociedade civil na Hungria e em toda a região

Na Europa Central e Oriental, a desinformação tem vindo a corroer deliberadamente a democracia. Desde 2021, tem-se registado um aumento preocupante de declarações pró-Kremlin, com a Hungria a servir de epicentro regional de inverdades promovidas pelo Estado.

A escala e a sofisticação desta desinformação são uma novidade. O governo de Viktor Orbán assumiu o controlo dos meios de comunicação social através de aquisições hostis, nomeações políticas para conselhos editoriais e a criação de uma rede pró-governamental de meios de comunicação social. Além disso, criou uma falsa “Lei de Proteção da Soberania” para impor um efeito inibidor sobre as organizações da sociedade civil (OSC), financiou campanhas de cartazes para atacar a UE como “belicista” no contexto da guerra na Ucrânia e serviu-se do Estado para intimidar todos aqueles que contestam as suas narrativas. Tudo isto acabou por abafar as vozes críticas – como se pode ver pelo pouco tempo de antena concedido à oposição política do país – e criar uma poderosa mistura de desinformação que se está agora a propagar aos países vizinhos.

O primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, já adotou o “manual” de Orbán. Pretende agora substituir a atual empresa estatal de comunicação social por uma nova empresa pública de rádio e televisão, sob um controlo político mais regular. Além disso, está a pressionar os meios de comunicação privados para que promovam posições pró-governamentais. Fico tem vindo a ser reconhecido como um hábil manipulador de desinformação, através da partilha de narrativas inexatas nas redes sociais para fazer avançar a sua agenda. A sociedade civil também não é exceção. O Parlamento eslovaco adotou recentemente a primeira versão de um projeto de lei sobre agentes estrangeiros, na sequência do regresso de Fico ao poder e da sua promessa de acabar com a “supremacia das ONG”.

Na Hungria e na Eslováquia, a noção de “soberania” tem sido amplamente enfatizada nestas campanhas. Por exemplo, os governos de Orbán e Fico afirmam que a recusa em apoiar a Ucrânia é um ato de soberania nacional que impedirá a Hungria e a Eslováquia de se tornarem colónias da UE e da NATO.

Além disso, perpetuam a falsa alegação de que, ao receber fundos do estrangeiro para OSC, a oposição e os meios de comunicação social estão a minar a soberania nacional. Estas narrativas servem de bode expiatório para o fraco desempenho económico da Hungria e para o colapso dos serviços públicos. Ademais, é este é um cenário que também permite a fuga à responsabilidade pela decisão da UE de reter fundos em resposta a repetidas violações do Estado de direito.

Este fluxo de propaganda tem afetado a compreensão da geopolítica por parte do público. De acordo com a GLOBSEC TRENDS, metade dos inquiridos eslovacos considera os Estados Unidos uma ameaça à segurança. Os eslovacos e os húngaros são, na Europa Central e Oriental, os menos propensos a culpar a Rússia pela invasão da Ucrânia. 

Esta perceção tem incentivado a aproximação destes governos a Moscovo, a não aceitarem as sanções ocidentais contra a Ucrânia e, cada vez mais, a divergirem da posição dos seus parceiros da UE e da NATO na cena internacional. No caso da Hungria, a mudança na opinião pública é tal que Balázs Orbán, um dos mais próximos colaboradores do primeiro-ministro, não viu qualquer problema em afirmar, recentemente, que Volodymyr Zelensky tomou uma decisão “irresponsável” de defender militarmente o seu país depois de Moscovo ter lançado a sua invasão em grande escala. A Hungria, disse Balázs Orbán, aprendeu que as “preciosas vidas húngaras” devem ser tratadas com cautela em vez de as “oferecer” para defesa. Uma declaração destas, que dá indicações efetivas de que as forças húngaras se renderiam à Rússia, se fossem atacadas, normalmente levaria à demissão imediata de um funcionário governamental – no entanto, tal é a escala das declarações pró-Kremlin na Hungria de hoje que o Governo do Fidesz se limitou a prestar um “esclarecimento” sobre esta escolha de palavras.

Nos últimos anos, a incessante quantidade de desinformação apoiada pelo Estado tem dado a Orbán espaço político para enfrentar a UE.  Um cartaz e uma campanha mediática, que insinuavam que Ursula von der Leyen tinha planos “nefastos” para a Hungria, foram ignorados por Bruxelas em 2023 e todos os apelos para que a Presidente da Comissão Europeia reprimisse o comportamento de Orbán foram sistematicamente ignorados. Este episódio encorajou Orbán: é agora provável que utilize a atual presidência húngara do Conselho da UE para disseminar as ambições de Moscovo noutros Estados-membros e para se vingar da UE pela retenção de milhares de milhões em fundos estruturais como punição pelas repetidas violações do Estado de direito.

Já há sinais de que Orbán está disposto a abalar o status quo. Por exemplo, ao alargar o sistema do “Cartão Nacional” da Hungria a cidadãos russos e bielorrussos está a ameaçar a segurança do espaço Schengen.

É urgente tomar medidas para pôr termo a estes comportamentos. A UE deve abordar a questão da captura dos meios de comunicação social e apoiar os meios de comunicação independentes e as organizações da sociedade civil na Hungria e em toda a região. As instituições de Bruxelas devem também considerar a aplicação de sanções ou outras medidas punitivas contra os Estados-membros que promovem a desinformação apoiada pelo Estado.

As soluções “da base para o topo” também poderiam reforçar a resiliência. As organizações da sociedade civil devem desenvolver ferramentas de marketing inovadoras para superar a polarização tóxica e combater as campanhas de desinformação. As plataformas de redes sociais, como o X e o Facebook, através das quais a desinformação está a ser disseminada, devem adotar uma abordagem mais ativa e coordenada para moderar os seus conteúdos. Dada a reação histérica destas plataformas a qualquer forma de regulamentação, este passo exigirá que os líderes estejam dispostos a gastar capital político para as enfrentar.

Embora existam alguns sinais de resistência entre os eleitores húngaros, se não for controlada, a desinformação continuará a corroer a opinião pública a longo prazo. Se a UE, sob a prometida liderança “geopolítica” de Ursula von der Leyen, não tomar medidas decisivas, haverá consequências profundas não só para a Hungria, a Eslováquia e os outros países do Grupo de Visegrado, mas para todo o projeto europeu.

Tradução de Nelson Filipe