Acaba de abrir ao público, com enorme sucesso, o Centro de Arte Moderna no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian — três anos após a inauguração do Parque Gonçalo Ribeiro Telles na Praça de Espanha. No mapa de Lisboa, aparecem agora dois parques isolados à distância de uma avenida. A potencial complementaridade destes dois projetos, coincidentes no tempo, era evidente desde o princípio; por que razão parece, então, ter sido desperdiçada?...
A intenção de ampliar o CAM foi anunciada a António Costa, então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em 2012, no mesmo tempo em que decorriam estudos no município para qualificar os espaços públicos do planalto das Avenidas Novas. O objectivo era tornar a zona acessível, confortável e segura para os peões e ciclistas, e mais sustentável e preparada para mitigar os efeitos climáticos extremos, plantando árvores e aumentando as áreas permeáveis. Nestes estudos, destacavam-se três intervenções: o “calçadão” da Avenida Duque de Ávila, o primeiro a ser realizado; o Eixo Central, com o reperfilamento das avenidas Fontes Pereira de Melo e da República; e um jardim na Praça de Espanha. No contexto desta última intervenção, a proposta de Rui Vilar, então presidente da Gulbenkian, caía “como sopa no mel”: a Avenida Duque de Ávila integra um percurso que liga Marvila a nascente e Monsanto a poente, e o Jardim Gulbenkian, com uma nova entrada por esta avenida, permitiria outro percurso que atravessaria o futuro jardim da Praça de Espanha, em direção a Monsanto e a Sete Rios. Como se vê, os dois projetos alinhavam-se no fundamental.
Avançou-se, então, com os procedimentos para que fossem desenvolvidos em paralelo — mas as dificuldades não tardaram a surgir. A Câmara propôs que a nova entrada para o Jardim Gulbenkian tivesse um amplo espaço exterior de transição, do lado da rua, o que obrigava a remover o muro de ameias. Logo surgiram as primeiras resistências: a demolição foi contestada por grupos de defesa do património, e a própria Direção Geral mostrou reservas. Só após um longo debate, e recorrendo ao Conselho Superior de Cultura, condescenderam com a remoção do muro. Seguiram-se as demoradas negociações com o anterior proprietário do jardim da Fundação. Enfim, estávamos já em 2019 quando foi lançado o concurso para o projeto de ampliação do CAM e do Jardim Gulbenkian, já com a proposta da entrada sem o antigo muro.
No que toca ao projeto do parque da Praça de Espanha, o processo foi ainda mais atribulado. Esta tinha um longo historial de planos, e em nenhum se previa um jardim. Era preciso resolver vários imbróglios de permutas de terrenos, um dos quais se arrastava há mais de 25 anos, e remover um mercado temporário ainda do tempo do Presidente Abecasis. Já a solução para reformular o nó viário, transformando alcatrão em terreno permeável, acabava com caminhos habituais de alguns automobilistas que por ali circulavam todos os dias.
Lá se estabilizou a solução viária, e passou-se ao programa do parque, de que constaria centralmente a recuperação da ligação pedonal entre a Fundação Gulbenkian e Sete Rios. Com o patrocínio da Fundação e do Banco Montepio, parte interessada na permuta de terrenos, foi convidado Jan Guel, o “papa” dos projetos de espaço público, para apoiar os serviços da autarquia na elaboração do programa. O novo parque prolongar-se-ia para poente nas traseiras da Avenida José Malhoa, e propunha-se, para facilitar a ligação com o Jardim Gulbenkian e dar continuidade aos fluxos de peões e ciclistas da António Augusto Aguiar em direção a Sete Rios, a construção de uma ponte sobre as rodovias. A Praça de Espanha tornar-se-ia assim, para os residentes da envolvente, os trabalhadores nas redondezas e os demais lisboetas, um espaço verde articulado com o Jardim Gulbenkian, atrativo pela diversidade de espaços e percursos, de esplanadas, uma cafeteria, quiosques e um grande relvado para festas ao ar livre, bem como equipamentos para os vários grupos etários.
A Praça de Espanha que hoje vemos é, porém, bem diferente dessa que o projeto prometia. O Parque Gonçalo Ribeiro Telles foi inaugurado em Junho de 2021 sem a ponte, adiada por atraso no concurso de empreitada. E mesmo agora, três anos depois e já inaugurado o CAM no Jardim Gulbenkian, com a nova entrada pela Avenida Duque de Ávila, a continuidade entre os dois parques mantém-se uma ideia por concretizar. O parque da Praça de Espanha está ao abandono, desleixado, sujo e vandalizado. A ponte ainda não foi construída, o quiosque e a cafeteria nunca abriram, a pala onde deveria ser a esplanada é acampamento de “sem-abrigo”, o jardim não é mantido... Um desconsolo!
Mas Carlos Moedas, administrador da Gulbenkian entre 2020 e 2021, conhecia certamente o envolvimento da Fundação no projeto do parque. Será que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa tem uma nova ideia para a Praça de Espanha?…