Senhores dirigentes políticos nacionais, não sei se os senhores se deram conta, mas na semana passada arderam 90 mil hectares daquilo a que eufemisticamente chamamos floresta — que não é floresta nenhuma, mas uma paisagem marciana de pinheiros-mansos e eucaliptos a perder de vista e que, a benefício das celuloses, os sucessivos Governos liberalizaram conscientemente. Não, não são interesses ocultos que “sobrevoam”, como disse o senhor primeiro-ministro, são interesses bem visíveis e de pés bem plantados na terra. Porque uma floresta, como bem recordamos ou ouvimos contar, é coisa diferente: são árvores frondosas e de crescimento lento, que duram gerações e resistem ao fogo, são ribeiros, linhas de água, rebanhos, pássaros, insectos, caça, vida. E aquilo é apenas silêncio, deserto, fogo, morte. Mas ali, todavia, vivia o quase nada que resta do mundo rural que vendemos à Europa e o tão falado interior, onde ainda resistem uns poucos corajosos e para onde se aventuraram outros — refugiados da pandemia, nómadas digitais, urbanodeprimidos, românticos e ingénuos —, tentando aprender a viver no campo e fazer agricultura de subsistência, ensaiando projectos alternativos, esforçando-se por ressuscitar aldeias moribundas, contra o isolamento, contra a burocracia, contra um mar de dificuldades, contra o AIMI da deputada Mariana Mortágua. E grande parte disso jaz agora em cinzas, centenas de casas, de fábricas, de pequenos ateliês de artesanato, lavouras domésticas, os negócios perseguidos de ALD, os incipientes pomares no meio do oceano do eucaliptal, poupanças e sonhos de toda uma vida. E vocês, senhores políticos, uma semana depois, que reflexão fazem de tudo isto? Nada de importante, nada de diferente: demita-se este ou aquele, venha mais dinheiro para a prevenção e para o combate, mais bombeiros, mais Canadairs, mais helicópteros, mais dinheiro e apagam-se os fogos. Aumentem-se as penas para os incendiários e as multas para quem não limpa os terrenos (mesmo que o custo de limpar um terreno anualmente seja o equivalente ao seu rendimento durante 10 anos e não seja descontado no IMI, porque diminuir receitas do Estado isso é que não). Mas mudar a composição da floresta, proibir a plantação de eucaliptos e pinheiros-bravos, subsidiar o plantio de árvores autóctones resistentes ao fogo nem pensar, que isso mexe com muitos interesses estabelecidos.
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