Opinião

12 de setembro, início da situação revolucionária do 25 de Abril

O dia 12 de setembro e a desobediência do proletariado da Lisnave às ordens do MFA devem ser lembrados como o cerne do movimento revolucionário independente, com os soldados ao lado do povo, libertados da hierarquia

Nos 50 anos do 25 de Abril, as comemorações oficiais e o seu reflexo público em geral, nomeadamente a magna manif na Avenida da Liberdade, sofreram do agudo complexo de novembro, ou seja, saudou-se o derrube do regime fascista — renomeado orgulhosamente pelas vozes públicas de Estado Novoe o fim da Guerra Colonial, saudou-se a liberdade conquistada mas não se invocou a raiz de tudo isso, talvez por ter sofrido dolorosa ablação ideológica: a luta popular revolucionária que marcou o PREC (Processo Revolucionário em Curso), designação “oficial”, esta que, à falta de melhor, sugere uma revolução contida nos limites procedimentais do MFA/Conselho da Revolução.

Mas não foi assim. A iniciativa popular e a poderosa força revolucionária das ações coletivas, com fulcro na secular luta operária, desafiou ostensivamente o próprio MFA num dia que não tem sido devidamente celebrado. E todos percebemos porquê.

No dia 12 de setembro de 1974, quatro meses e meio depois do 25 de Abril, no seguimento das lutas dos trabalhadores ainda durante o fascismo, os operários da Lisnave, a maior concentração operária do país, decidem marcar uma greve e uma manifestação com o objetivo de contestar e confrontar a legislação do Governo Palma Carlos, nomeado por Spínola, de controlo e condicionamento do direito à greve e à manifestação. Isto quando ainda repercutia o imenso grito libertário do 25 de Abril, quando o povo ignorou ostensivamente o apelo do MFA, pela voz de Vítor Alves, para ficar em casa e encheu as ruas de Lisboa e do país, mostrando que a partir do golpe dos capitães passava a ser consigo a sua própria vida.

Outro objetivo foi o saneamento do administrador dos Melos, o Perestrelo, protetor e orientador da atividade dos bufos da PIDE na empresa.

No dia marcado para a manifestação, o 12 de setembro de 1974, a presença que se pretendia dissuasora de uma delegação do MFA, sublinhando a ilegalidade da greve e da manifestação, esbarrou na tomada de decisão coletiva da Assembleia-Geral, o plenário de todos os turnos, que nesse dia juntava excecionalmente mais de 7000 trabalhadores em frente do edifício central da administração em que, de forma perentória e irrevogável, reafirmaram a decisão de enfrentarem o cerco militar que tinha sido democraticamente montado, e atravessarem o Tejo (sob o olhar atento de Eisenstein!), para demonstrarem a sua força e razão no palco da capital.

Os mais de 7000 trabalhadores de todas as secções, na sua grande maioria operários (aos quais se juntariam, já em Lisboa, muitos trabalhadores dos estaleiros da Rocha e de outras empresas) vestidos a rigor, macaco azul e capacetes coloridos, em formação militar, avançaram para os portões da Lisnave.

No exterior, uma força militar com elementos dos três ramos das Forças Armadas impedia a passagem da formação operária.

A direção da manifestação interrogou os operários: obedecemos ou passamos? A resposta tonitruante foi: “Passamos! Os soldados são filhos do povo”.

Nesse momento teve início a participação dos soldados no movimento popular, que baixaram as armas e abriram alas.

Este facto, a desobediência às orientações do MFA quando estava no auge do seu prestígio, o dos heroicos executores do golpe do 25 de Abril, e, de facto, dos soldados às ordens que tinham para travar a manif (no espírito, aliás, da desobediência hierárquica dos capitães para avançarem para o 25 de Abril) marcou todo o PREC, retomando a designação oficial.

A manifestação em Lisboa pôs em pânico a grande burguesia rentista, especuladora, terratenente, numa palavra exploradora brutal, a classe que sustentava o fascismo e que dele se servia! E que, de uma forma geral, em boa parte, se pôs a milhas seguindo a rota dos seus mais altos representantes políticos que, esses, foram enviados para um cómodo exílio.

O 12 de setembro marcou de tal forma a situação revolucionária que Spínola se viu obrigado a convocar a manifestação da Maioria Silenciosa, juntando toda a escumalha fascistoide e populares sob influência da igreja e do credo patronal.

Apesar de derrotado pela oposição clara do MFA e pela mobilização popular que a reduziu à insignificância, tal não dissuadiu Spínola de tentar outro golpe em 11 de março de 1975, de novo no seguimento duma grandiosa manifestação contra a NATO, com porta-aviões fundeado no Tejo, convocada em 7 de fevereiro pela Intercomissões, organismo agregador das várias Comissões de Trabalhadores; de novo os soldados se recusaram a reprimir os manifestantes ao grito de “Soldados sempre ao lado do povo”.

O dia 12 de setembro e a desobediência do proletariado da Lisnave às ordens do MFA devem ser lembrados como o cerne do movimento revolucionário independente, com os soldados ao lado do povo, libertados da hierarquia.

Nada que os capitães não tivessem inaugurado!