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Opinião

Tremores

Porque é que parte de nós, sobretudo na infância e na velhice, sente que nestes terramotos há um mistério por desvendar?

A grande memória de terror do meu pai é a grande cheia de 67; a da minha mãe é o terramoto de 69, até porque ainda vivia numa das áreas em que esse terramoto foi mesmo ruinoso, o Alentejo Litoral; pior só mesmo na ponta de Sagres. Lembra-se com nitidez do medo cavernoso que vem do princípio do tempo e da forma como as pessoas são distintas na relação com o terror. Apesar da água no tanque de rega abanar como se fosse mar alto, o meu avô, sem mexer um músculo das cordas vocais, limitou-se a ficar debaixo do umbral da porta enquanto as paredes rachavam à sua volta. Há dias, claro, estas memórias vieram ao de cima, tal como a perplexidade, o medo, o temor perante uma força tão desmedida e as suposições. Mergulhadas no ambientalismo apocalíptico da sua geração, as miúdas disseram logo que tinha sido a Terra, que anda zangada, a castigar o homem polui­dor. Repetiram o raciocínio dos velhos religiosos de 1755: o terramoto de Lisboa, dizia Malagrida, só podia ser um castigo divino contra uma Lisboa dissoluta que perdera o seu caminho enquanto ponta de lança da Jerusalém celestial na Terra.