A próxima administração americana, seja ela qual for, será a mais distante da Europa. O afastamento americano tem muitas explicações, mas todas apontam no mesmo sentido: A América tem outras prioridades. E outras memórias.
Comecemos por quem tem governado e por quem vai governar. George H.W. Bush (1989-93), que presidiu à vitória Ocidental, e especialmente americana, no fim da Guerra Fria, serviu na Marinha durante a Segunda Guerra Mundial, no Pacífico, foi embaixador dos Estados Unidos da América (EUA) junto das Nações Unidas e mais tarde director da CIA. Bill Clinton (1993 – 2001) estudou em Oxford e aproveitou a estadia em Inglaterra para participar em manifestações contra a guerra do Vietname. George W. Bush (2001-2009), se não fosse mais nada, era filho do homem que presidia aos EUA quando a Guerra Fria acabou e o único presidente americano a invocar o artigo 5º da NATO, para pedir o apoio europeu para a resposta ao ataque do 11 de Setembro.
Depois veio a mudança. Barack Obama (2009 – 2017) foi o primeiro presidente dos Estados Unidos, da era recente, para quem a Europa era uma coisa distante. E, apesar do cice-presidente Biden e de Hillary Clinton nos Negócios Estrangeiros, isso notou-se na sua política externa, particularmente na ausência na Síria e na falta de resposta à invasão russa da Crimeia e, de um modo geral, na viragem para o Pacífico. A seguir, Donald Trump (2017-2021), o único presidente americano que chamou inimigos aos europeus.
Biden retomou a velha relação dos americanos com a Europa, prometendo a “América de volta”. Mas Biden tinha 79 anos quando chegou à presidência. Tinha nascido três anos antes do fim da Segunda Guerra Mundial e fez grande parte da carreira política a seguir temas internacionais.
Já quanto a quem se segue, sobre Trump estamos falados. Sabemos que chamou inimigos aos europeus, e sobre a NATO já disse que se os parceiros não gastassem a sua parte (em compra de material americano, adivinha-se) não queria sabe se a Rússia os invadia ou não. Quanto ao seu candidato a vice-presidente, J.D. Vance, apesar de ter estado na Marinha e em missão (como jornalista militar) no Iraque, nasceu cinco anos antes da queda do Muro de Berlim e tinha 17 quando os Estados Unidos foram atacados no 11 de Setembro e pediram ajuda aos aliados. Será em parte por isso – e por fazer parte da nova direita “pós-liberal”, como eles dizem, que prefere um autoritário que invoca a Cristandade a um democrata que invoca a Liberdade – que não defende o apoio à Ucrânia.
Do lado de Kamala Harris as coisas são só ligeiramente diferentes e pode acontecer o que aconteceu com Obama: muito entusiasmo entre os europeus, mas pouco interesse pela Europa. A vice-presidente Harris já foi à Conferência de Segurança de Munique e foi enviada por Biden para acalmar Macron depois da traição anglo-americana no episódio dos submarinos australianos. Mas o seu registo internacional tem mais África, América Latina e Ásia do que outra coisa qualquer. da tropa Tim Walz, conhece a Guarda Nacional, uma coisa normalmente mais local, e do mundo europeu parece não conhecer particularmente muito. Uma das suas virtudes eleitorais, quase ser um americano banal, não ajuda nesta matéria.
Ou seja, olhando para a próxima Administração, seja ela Republicana ou Democrata, o afastamento em relação à Europa é notório e significativo. E está em linha com a transformação da opinião dos americanos sobre política internacional.
Um estudo do Pew Research Center, divulgado o mês passado, é claro quanto ao que se está a passar na América em matéria de política externa. Sempre se soube que os americanos não lhe davam tanta atenção quanto os líderes políticos americanos e mesmo muitos cidadãos de outros lugares, mas o problema não é só esse, é o desinteresse do que nos interessa.
Segundo o estudo, para os americanos com menos de 30 anos, os únicos temas de política externa que deveriam ser prioritários são: lidar com as alterações climáticas (59%), prevenir a disseminação de armas de destruição maciça (56%) e proteger os Estados Unidos de ataques terroristas (55%). O mesmo estudo nota que manter a vantagem militar americana só deveria ser uma prioridade para cerca de 31% desses jovens. Apoiar a NATO deveria ser uma prioridade só para 17%, e apoiar a Ucrânia apenas para 15%. Pelo contrário, em todos os outros grupos etários (30-49, 50-64 e 65+), manter a vantagem militar dos Estados Unidos, limitar a influência da Rússia, da China e do Irão, apoiar a NATO e a Ucrânia têm muito mais apoio. Nalguns casos, maioritário. Estas diferenças fazem diferença.
Seja por disposição ideológica e até idade, seja por falta de experiência e proximidade, a próxima administração americana estará mais longe da Europa e da Aliança Atlântica do que estamos habituados. Tal como o país. E isso, que tem consequências para os europeus, precisa de ser tido em conta. Não foi só o mundo que mudou, a América também está diferente.