Opinião

EUA: uma eleição, dois futuros

Com uma convenção forte, em que os Democratas aparecem unidos e determinados, o difícil pode tornar-se em provável. Resta saber que cenário internacional enfrentará esta campanha e como os desenvolvimentos no médio oriente ajudarão ou frustarão as expectativas da atual Vice Presidente

O próximo dia 5 de novembro, data das Eleições Presidenciais nos Estados Unidos da América, será decisivo para o futuro da mais antiga democracia contemporânea, mas também de todo o Mundo. No boletim de voto estarão representadas duas visões completamente opostas sobre o rumo que a História deve tomar. De um lado, o isolacionismo que, com laivos autoritários, alterou o panorama da política mundial e provocou distúrbios significativos na política externa. Do outro, o reformismo solidário e pragmático de Kamala Harris a quem a “brat hype” não chega para dar respostas claras, domésticas e externas, aos desafios que a atual administração enfrenta.

Apesar da maior popularidade da candidata do Partido Democrata – que lidera as sondagens a nível do voto total nacional, em média, por aproximadamente 2.5% – poucas certezas existem sobre o desfecho da eleição. Como sabemos, o colégio eleitoral dos EUA pode entregar a vitória ao candidato menos votado. Basta que para isso esse candidato vença Estados suficientes para garantir a maioria necessária. Aliás, foi assim que Donald Trump chegou à Casa Branca, apesar de, em 2016, ter conseguido (quase) menos 3 milhões de votos que Hillary Clinton.

À partida, os dois candidatos têm virtualmente assegurada a vitória em muitos dos estados americanos, cuja preferência é inequívoca. Acontece-o, por exemplo, na Califórnia a favor do Partido Democrata, ou no Kansas em prol do Partido Republicano. Feitas as contas a este grupo de estados, podemos aceitar que perto de 80% do colégio eleitoral esteja definido, com ligeira vantagem para Kamala Harris nessa amostra.

Nesse sentido, os holofotes incidem no grupo de ‘swing states’, os poucos estados onde ambos têm realmente hipótese de ganhar. Em 2024, o lote parece reduzido a sete: Arizona, Carolina do Norte, Georgia, Michigan, Nevada, Pennsylvania e Wisconsin. Em conjunto, representam 93 dos 538 votos em jogo (17% do colégio eleitoral) ou um terço dos 270 que um candidato precisa para ser formalmente designado Presidente-eleito dos EUA.

As sondagens mais recentes nestes ‘swing states’ apontam para vantagens marginais, todas inferiores à margem de erro, de uma parte ou da outra, incapazes de gerarem confiança suficiente para determinar um vencedor provável. Estamos, assim, perante um verdadeiro 50/50 e tudo dependerá dos próximos dois meses e meio de campanha eleitoral. É neste contexto que o Partido Democrata organiza a sua convenção nacional (DNC), entre 19 e 22 agosto, onde terei a oportunidade de participar; e a partir de onde, a convite do Expresso, tentarei reproduzir um pouco das emoções, das experiências, dos protestos e da esperança.

A DNC é, verdadeiramente, o primeiro grande teste para Kamala Harris, que tem a responsabilidade de continuar o ímpeto recentemente conquistado. O seu nome relançou a esperança dos Democratas, até então desmobilizados pela fragilidade evidente de Joe Biden. Com a difícil, mas necessária saída da corrida do atual Presidente, o partido seguiu uma impressionante reorganização interna e voltou a surgir com força e entusiasmo.

Harris começou bem, relembrando o contraste entre o seu trabalho no combate ao crime (como Procuradora) e o cadastro criminal de Trump. Escolheu um Vice-Presidente com provas dadas e de perfil complementar, mas até então desconhecido do público americano: o atual governador do Minnesota, Tim Walz. E percebeu que o seu programa tem de oferecer respostas ao aumento do custo de vida e da habitação, temas prioritários para as classes médias e trabalhadoras.

Este não é o momento de tirar o pé do acelerador, pelo contrário: há que compensar a menor visibilidade com que Kamala Harris partiu para esta eleição e começar a marcar território junto de eleitorados decisivos nos ‘swing states’. Até porque, graças à convenção dos próximos dias, o Partido Democrata tem uma oportunidade crítica para marcar a agenda política nacional.

Quais são, portanto, os desafios? Harris terá de conseguir apelar às comunidades negras da Georgia (30% da população do estado) e da Pennsylvania (11%). O seu perfil e os erros recentes do adversário podem beneficiá-la, mas todos sabemos que a política é sempre bem mais complexa. Deve conseguir, também, chegar aos trabalhadores nos territórios industriais do Rust Belt (Michigan, Wisconsin) graças à proximidade geográfica do seu Vice-Presidente ou pelo compromisso da Administração Biden com o tema da reindustralização e proximidade com as forças sindicais, mas, uma vez mais, a teoria só terá algum significado se os próximos meses forem isentos de erros graves.

A vitória nestes estados deixaria a candidata Democrata muito perto da Casa Branca. Kamala Harris sabe a quem se dirigir e como pode fazê-lo. Com a sua entrada em cena, a vitória voltou a ser possível. Com uma convenção forte, em que os Democratas aparecem unidos e determinados, o difícil pode tornar-se em provável. Resta saber que cenário internacional enfrentará esta campanha e como os desenvolvimentos no médio oriente ajudarão ou frustarão as expectativas da atual Vice Presidente. Para seu provável desgosto, as ações do Secretário Blinken terão maior influência nestas eleições do que as gaffes por chegar.

Até lá, a bem da paz e do diálogo, esperemos que Outubro traga a primeira mulher eleita Presidente dos Estados Unidos da América. E seria tão bom que fosse mesmo contra Donald J. Trump.