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Opinião

Parai de fazer isto em memória de mim

O contexto em que uma coisa é dita muda o que é dito. Coisas que não são polémicas se ditas na cama podem causar problemas na Loja do Cidadão

A reconstituição de um quadro, na abertura dos Jogos Olímpicos, indignou espectadores de todo o mundo. A certa altura da cerimónia, um grupo de drag queens posou de modo a, ao que parece, reproduzir o célebre quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, o que naturalmente fez dói-dói a um grande número de pessoas. A este tipo de pessoa costuma chamar-se “floco de neve”, para indicar uma espécie de hipersensibilidade, mas é uma alcunha enganadora, porque estes flocos de neve não costumam ter sensibilidade nenhuma. Em primeiro lugar, não são sensíveis ao ridículo. Melindrar-se com desenhos, ou outras coisas igualmente inofensivas, é quase sempre cómico. Em segundo lugar, não são sensíveis ao contexto. Como sabem as pessoas sensíveis, o contexto em que uma coisa é dita muda aquilo que é dito. Por exemplo, coisas que não são polémicas se forem ditas na cama podem causar problemas se as dissermos, vamos supor, na Loja do Cidadão. Recomendo a todos que façam a experiência. Ora, se as pessoas que se escandalizaram com a blasfémia do tableau vivant tivessem reparado no contexto em que ele foi feito, não se teriam indignado desta forma. Como é evidente, ter-se-iam indignado muito mais. As drag queens reproduziram um quadro que representa Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo que constitui uma flagrante violação do segundo mandamento: “Não faças para ti ídolos, nenhuma representação daquilo que existe no Céu ou na Terra.” A paródia das drag queens é uma blasfémia sobre outra blasfémia, e não se percebe porque é que o sr. da Vinci (que, além do mais, partilhava com as drag queens algumas inclinações) ficou isento de críticas. Por outro lado, e ainda mais grave, os próprios Jogos Olímpicos — realizados, como o próprio nome indica, em homenagem aos deuses do Olimpo — são uma flagrante violação do primeiro mandamento: “Não terás outros deuses além de Mim.” O número das drag queens é, por isso, uma blasfémia acerca de uma blasfémia, levada a cabo no âmbito de uma blasfémia. Que, no meio desta caldeirada de blasfémias, os ofendidos consigam divisar apenas uma, parece-me insensível — e, já agora, blasfemo.