Vai por aí grande comoção e revolta com a (trans)representação da Última Ceia na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos. Exageram. Felizmente, nem toda a gente embarcou no bote do bota abaixo. Na Europa, há sempre quem, por mais paradoxal que possa parecer, venha dar razão a um velho católico qualquer: “a decadência da sociedade é louvada pelos artistas assim como a decadência de um defunto é louvada pelos vermes”, disse Chesterton. As palavras a reter aqui são decadência e vermes, e a imagem, claro, a do ocaso da Europa. Civilizações tão cientes de si e que se retratam com tanta precisão merecem, pelo menos, a nossa compaixão: eis um valor cristão bastante oportuno.
A Europa da separação da Igreja do Estado (com inspiração em Santo Agostinho), da liberdade religiosa (com ajuda de filósofos britânicos do séc. XVIII), do respeito e protecção das minorias (como em mais nenhum território no mundo), do Estado Social protector dos mais vulneráveis (fundado por Disraeli e Bismark, esses velhos conservadores), do pioneirismo (já agora, português) na abolição da escravatura (props, Sá da Bandeira) – marcas da superioridade moral e civilizacional europeia – está no leito da morte. Descanse em paz.
O meu ponto é este: o que sobrou ao longo da História faltou agora. O que é que faltou, pergunta o impaciente leitor? Faltou inclusão e, como dizer?, bolas. De coragem. Mas já cá voltamos.
A velha Europa que se deixou tornar dependente energeticamente (dos árabes e dos russos), industrialmente (dos chineses), tecnologicamente (dos americanos e dos chineses) e militarmente (dos americanos), resolveu abandonar a Moral para ser só moralistazinha. E, se é para cair, que seja à romana, para honrar a tradição do continente: em grande, com muito sexo e regado a álcool; o champagne serve.
Qual velha decadente, com os maneirismos de quem foi, outrora, Senhora imperial, a Europa exorta sobre tudo e sobre nada: opina sobre as eleições norte-americanas, escolhendo a candidatura que mais lhe convém, obliterando as razões de quem vota; exibe virtude simbólica, excluindo o ar condicionado na aldeia olímpica, enquanto noutras latitudes se sobreaquece o planeta para inundar o mercado europeu de tralha a baixo custo graças ao dumping ambiental; detém-se em micro virtudes inclusivas, enquanto apoia facínoras anti-semitas; e mostra-se forte com os seus, para se mostrar bastante fraca com os outros.
Eis o ponto: falta inclusão e coragem. Ultrapassado o óbvio ululante de não se perceber o que raio é que a Última Ceia travestida tem a ver com o espírito olímpico, fica a indignação da exclusão: onde é que está o Profeta a comer toucinho e a lamber lascivamente os dedos enquanto mostra a língua a um barbudo musculado? E o Buda a comer picanha depois de assistir a uma corrida de touros? Nada. Só o grotesco de pôr gordas e feias a simular o pré-clímax cristão. (Desculpem lá o body shaming: estou ciente que as únicas “pessoas que menstruam” a quem o gozo pode ser dirigido são rainhas bigodudas e monocelha – para desmerecer a monarquia – e virgens santas desmaquilhadas – para zombar com os católicos –, mas deixei-me levar pela orgia do mau gosto).
Vivemos numa sociedade paradoxal: para celebrar o espírito olímpico, que já foi citius (mais veloz), altius (maior), fortius (mais forte), resolvemos ser molengões, rasteiros e fracos. Um continente olimpicamente eunuco. Sem bolas. De coragem. Que os jogos comecem, então, que temos uma Civilização para encerrar.
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia