Opinião

As Causas: a imprevisibilidade está entre nós

Os fatores imponderáveis não permitem a nenhum ator político planear estratégias seguras

De repente a imprevisibilidade tornou-se central nas nossas consciências e ecrãs televisivos.

Já nos fora clara nos seus efeitos e condicionantes com a COVID. Ou com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Ora, como há anos lembrava Adriano Moreira (cito de um texto de Alexandre Guerra, de fevereiro de 2013), a capacidade de lidar com a “imprevisibilidade” é precisamente um dos requisitos da função de um Governo.

A Política assume a “imprevisibilidade” e a “incerteza” como fatores naturais inerentes à arte de governar e não como “desculpas” ou “refúgios” de previsões erradas ou más políticas levadas a cabo por um Governo.

Tema fascinante que encheu a minha reflexão estes dias, mas em que muitíssimo fica por dizer.

UMA FOTO GANHARÁ ELEIÇÃO EUA?

Há desportos onde ganham sempre os melhores. Mas também há o futebol, onde tudo pode acontecer.

Se a Política fosse um desporto seria o Futebol. Ou seria ainda mais imprevisível.

O atentado contra Trump resolveu a dúvida que – apesar da degenerescência de Biden, e devido a Trump ser como é – existia sobre o vencedor das presidenciais de novembro.

Uma foto como esta (da Associated Press/Evan Vucci), uma das mais icónicas que recordo, chega (infelizmente) para Trump ganhar, sobretudo se conseguir ficar calado 4 meses…

O que agora me interessa, porém, é refletir sobre a ilusão de prever o futuro na Política, mesmo que não fosse verdadeira a “boutade” de que “o médio prazo em Política é uma semana”.

Realmente três hipóteses poderiam ter ocorrido nos EUA há dias: não ter havido atentado, Trump ter morrido, Trump ter sobrevivido.

Qualquer das duas últimas hipóteses faria sempre desencadear um “futurível” diferente, como uma espécie de entrada numa “5ª Dimensão”.

Isto demonstra que os fatores imponderáveis não permitem a nenhum ator político planear estratégias seguras.

Mas o espírito humano, e a própria sobrevivência da espécie, exigem que se atue com base em graus de probabilidade, “isolando” - como se não existissem - os fatores que não se integram numa análise racional, lógica, tecnicamente sustentada.

Há, pois, que continuar a prever evoluções como se nada de extraordinário ou imprevisível venha a ocorrer. É o que faremos hoje, mais uma vez.

E SE SABOTASSEM A INTERNET?

Depois de um hipotético resultado positivo da concretização de um terrível imprevisto (a tentativa de assassinato de Trump), vejamos um outro de que ontem escrevia o Economist.

Trata-se (para já) apenas de uma teoria: uma ação da Rússia (e/ou da China por causa de Taiwan) para cortar cabos submarinos da rede transatlântica de comunicações, hoje com uma extensão de 1,4 milhões de quilómetros, que transporta dados à velocidade da luz. Trata-se de uma rede de 600 cabos cuja extensão total corresponde a três vezes a extensão da Terra à Lua.

Este hipotético cenário poderia acabar com o funcionamento da internet e impedir a maior parte das telecomunicações.

Veja-se o mapa da Europa com cabos submarinos, que copio do Economist, que surge nos vossos ecrãs.

É claro que os cabos são reparáveis: em média todos os anos cerca de 100 cabos sofrem danos que nada têm a ver com sabotagem. Mas se aumentarem os incidentes os escassos 60 navios de reparação serão muito insuficientes.

No âmbito de uma guerra ou até de uma operação de grande destabilização, quais seriam os efeitos no ambiente político nos EUA e na Europa desta imprevisível (e dificilmente evitável) nova situação?

O tempo não me permite dar mais exemplos da mudança na atmosfera internacional com um grau equivalente ao atentado a Trump ou de uma disrupção do sistema internacional de telecomunicações. Mas outros existem.

Mesmo no modesto plano nacional, o exemplo da morte de Sá Carneiro em 1980 em Camarate serve para lembrar o problema da imprevisibilidade em política mais perto de nós.

MONTENEGRO: O CLIMA POLÍTICO MUDOU

E voltemos a Portugal, a este propósito.

A generalidade dos jornalistas e dos comentadores - entre março e junho deste ano - não tinham uma dúvida: o Governo da AD não iria sobreviver à não aprovação do Orçamento para 2025, o que também era considerado inevitável. E pior ainda se não ganhassem as eleições europeias.

Não era essa a minha opinião, como o referi várias vezes, o que pouco ou nada importa.

Mas desde então – vá lá perceber-se a razão, pois a AD não ganhou as eleições europeias – a opinião dominante mudou: O Orçamento, com toda a probabilidade, vai passar; e, mesmo que não passe, o Governo vai manter-se, se quiser, até depois das eleições presidenciais do Inverno de 2026.

As sondagens revelam bem a razão desta mudança. Montenegro está a governar bem, o seu estilo agrada nesta conjuntura, PNS tem uma imagem demasiado agressiva e radical, o bota abaixo da Direita e da Esquerda radical começa a cansar.

Mas, como o atentado a Trump nos fez recordar, a política é imprevisível e as melhores estratégias podem soçobrar perante um evento que altere a perceção dos portugueses.

Em todo o caso, creio que LM tem pela frente pelo menos mais 2 anos.

E é por isso que convém revisitar a estratégia e não olhar apenas para as táticas, como seria natural se o Governo não fosse mais do que um sonho (deste) Verão.

CONTROLAR O CENTRO: RISCOS E OPORTUNIDADES

Como venho dizendo há meses, a estratégia de LM é ganhar e ocupar o Centro – abandonado em parte por António Costa e mais ainda por PNS – e não tentar crescer contra o CHEGA, mas apesar dele. Tudo decorre dessa opção.

Acho pessoalmente que esta é uma boa estratégia para estes tempos em que a bipolarização deixou pelo menos de ser uma boa aposta e pode ser até uma jogada de alto risco.

A posição de controlo do Centro é ingrata. E pelo menos pelas seguintes razões:

a) As tropas partidárias entusiasmam-se com confrontos, não com sensatas e serenas ações políticas;

b) Os media precisam de tensão para nos terem colados ao ecrã ou a lermos mais do que apenas as manchetes nos jornais;

c) Ser moderado é a melhor forma de desagradar aos radicais de ambos os lados.

Ocupar o Centro obriga a ter sucesso para sobreviver, pois o fracasso pode ser o fim da linha. E é quando falham que os moderados percebem que

(i) não têm apoios “no matter what”,

(ii) não lhe servem para nada teorias de conspiração,

(iii) ninguém percebe que se vitimizem e dificilmente encontram quem ache que a culpa do que correu mal é do anterior Governo, como Costa sempre disse durante 8 anos.

Isto é assim. Ou (quem sabe…) era e deixou de ser ou passou a ser menos. É que o imprevisível desceu à terra com a bala do alucinado jovem de 20 anos que – por sorte, milagre ou acaso – atingiu a orelha e não o cérebro de Trump.

A sensação que tenho é que esta bala – além de paradoxalmente eleger o violento e agressivo Trump – criou na Pensilvânia um tsunami virtuoso a favor da moderação que se está a propagar por todo o lado.

Pelo menos durante alguns meses isto vai ajudar os moderados.

Por exemplo, pode fazer com que Macron – apesar de derrotado – ganhe um governo que não tenha esquerda radical.

Ou que em Espanha o Partido Popular ganhe com a rutura que o VOX fez por causa de 347 crianças migrantes (sim, ouviram bem…) que foram distribuídas pelas autonomias em vez de todas ficarem nas Canárias.

E que LM possa começar a sério com uma política de reformas que há dois meses pareceria inviável.

O ELOGIO

Ao Presidente da República, por ter convidado a herdeira do trono espanhol para em Portugal fazer a sua primeira visita de Estado ao estrangeiro.

Poderá parecer óbvio, mas ninguém se lembrara. Foi um ato imprevisível. E deste modo se começa a integrar a Princesa Leonor na fortíssima ligação a Portugal do seu Avô (que aqui viveu na adolescência) e do seu Pai, que a política de Estado português sempre privilegiou.

Creio que por muitos anos que viva e reine, Leonor não vai esquecer esta viagem. Marcelo falha em muitas coisas, mas no essencial da sua função externa, raras vezes falhou. E aqui foi perfeito.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Desta vez, sugiro livros que têm a ver com temas de saúde.

“A Geração Ansiosa – como a Grande Reconfiguração da Infância está a provocar um Epidemia de Doença Mental” (D. Quixote), de Jonathan Haidt, Professor de NYU e especialista em psicologia social, foi Bestseller #1 do New York Times. E a sua importância essencial está clara no título, e ainda mais devido ao atentado a Trump.

O outro, “Tratar o Cancro por Tu” (Ideoteque), de Luisa Melo, Nuno Ribeiro e Nuno Teixeira Marcos e com prefácio de Sobrinho Simões, é uma bem conseguida aposta na literacia em cancro.

Duas obras que podem melhorar a saúde pública de modo muito relevante.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

De muitos lados me chegam queixas sobre o estado da (falta de) limpeza em ruas de Lisboa. Muitos que o referem não querem o mal de Carlos Moedas e alguns até sabem da bizarra responsabilidade partilhada (!) na limpeza entre a Câmara e as Freguesias e de outros fatores.

A este propósito vale a pena ler a excelente reportagem assinada por Samuel Alemão, hoje no Público.

A CML referiu a Alemão que pretende que em 2030 Lisboa “esteja na vanguarda das melhores práticas de gestão de resíduos”.

A pergunta é simples: será que Carlos Moedas se não lembra que antes de 2030 tem eleições em 2025? E que pode ganhar ou perder as eleições por causa do lixo, seja ou não culpa sua ou tenha ou não solução?

A LOUCURA MANSA

A DGSaúde terá feito uma campanha em que refere que a “menstruação é um processo fisiológico com impacto na saúde e bem-estar das pessoas que menstruam”.

Isso provocou reações porque se está a incluir homens (legalmente ou por opção) que têm útero.

A Lancet (revista científica) refere que se deve ser utilizada a formulação “mulheres, raparigas adolescentes e [outras] pessoas que menstruam”.

Não sou especialista, designadamente, em “homens transsexuais e pessoas não-binárias”, conceitos que o Observador – muito woke… – faz questão de explicar.

Tudo isto, aliás, me faz lembrar o célebre quadro de Magritte que surge nos vossos ecrãs.

Mas acho uma loucura não só que a DGS (que raio de nome…) tenha medo de ser criticada por usar a palavra “mulher”, como também que se queira criticar fazer rastreio de saúde menstrual aos que são biologicamente mulheres e preferem ser homens.

Se Magritte pode dizer “isto não é um cachimbo”, por que carga de água uma mulher não pode dizer que não é mulher, mas que precisa de se proteger de doenças e riscos do sexo que recusa assumir?