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Opinião

Um portal

Abriam aquelas revistas porno à frente dos meus olhos esbugalhados da mesma forma que abriam as notas alemãs. Ao pé de uma nota de 20 marcos, a minha nota de 20 escudos parecia dinheiro do “Monopólio”

Quando os meus primos da RFA chegavam ao meu bairro, que era uma RDA às portas de Lisboa, eu sentia que se abria um portal e por ali entravam pessoas e objetos do futuro; era como se a “Enterprise” ou o “Millennium Falcon” esvaziassem a carga ali mesmo; sentia-me como o indígena a olhar para o espelho trazido pelo navegador português. Sim, a diferença era brutal, talvez cruel. A RFA era o centro da mansão europeia, Portugal estava no umbral da porta dos fundos dessa mansão. O meu espanto começava nas pessoas, que pareciam ciborgues. Os meus primos tinham a nossa genética, mas eram mais altos e mais fortes. Tinham uma alimentação moderna. Nós ainda não tínhamos uma relação cordial e diária com a proteína animal, por exemplo. Ademais, usavam roupa colorida, de marca, comprada; a nossa roupa ainda era feita em grande parte pelas avós. Comiam snacks e chocolates sem fim enquanto ouviam música num walkman ou um rádio gigantesco que tinha a potência da coluna da festa do bairro. E, às escondidas, mostravam-me um clássico da cultura alemã: fotonovelas porno. Queriam o quê, Goethe? Abriam aquelas revistas porno à frente dos meus olhos esbugalhados da mesma forma que abriam as notas alemãs. Ao pé de uma nota de 20 marcos, a minha nota de 20 escudos parecia dinheiro do “Monopólio”.