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Opinião

O triunfo dos ressabiados

A luta de classes de hoje não é entre quem tem e quem não tem, é entre quem sabe e quem ignora. Mark Zuckerberg e Elon Musk são os Lenines do nosso tempo. Apenas mais sinistros e mais bem armados do que o original

Há vários anos, quando tudo isto estava ainda a começar, escrevi que o Facebook e as redes sociais iriam ser uma ameaça maior às democracias do que o fundamentalismo islâmico. Muitos gozaram comigo, vendo nessa afirmação a reacção de alguém que, simplesmente, recusava adaptar-se aos tempos modernos e às novas formas de comunicação — e, notem bem, porque o detalhe é importante, às novas fontes de informação também. Outros, na mesma posição que eu mas numa postura de quem via mais fundo, asseguraram que o “medo” das redes sociais representava apenas uma tentativa de evitar a democratização da opinião, defendendo os privilégios de elite a que estavam habituados. Devo dizer, todavia, que nem nos meus pio­res pesadelos alguma vez imaginei quanto estava certo na minha previsão. De então para cá, e além de todos os danos que vi a progressiva e generalizada adição às redes sociais causar às relações humanas — amorosas, de amizade ou simplesmente sociais —, hoje diagnosticada e tratada como uma doença perigosa, vi também os danos colaterais causados à gramática, à escrita corrente ou à banal capacidade de observação. Mas nada, claro, se compara aos danos devastadores causados à democracia, se a entendermos como a faculdade de homens livres escolherem livremente os seus dirigentes e o sentido dos seus destinos. Porque as redes sociais transformaram uma imensidão de cidadãos livres num orwelliano exército de zombies, comandados à distância por ditadores digitais. Desde as aventuras da Cambridge Analytica na manipulação de vontades e votos no ‘Brexit’, na eleição de Trump ou na de Bolsonaro, aprendemos que o célebre algoritmo se tornou no instrumento perfeito para a formação e manipulação das opiniões públicas, seleccionando sabiamente a informação recebida pelos utentes de acordo com a vontade do Big Brother, assim canalizando as suas opiniões para o sentido pretendido. A nova e promissora “fonte de informação”, que tinha a faculdade de dispensar a mediação jornalística, revelou-se afinal aquilo que sempre pretendeu ser: a fonte de desinformação perfeita. O tijolo primeiro cuja remoção é capaz de fazer desabar paulatinamente todo o edifício da democracia, penosamente erguido e solidificado ao longo de séculos. Uma obra de génio.