Cada um sabe do que gosta, pelo que muitos discordarão do que se segue. Fui um lisboeta de adopção desde a infância, mas só aprendi a gostar de Lisboa já na idade adulta e terminado o sufoco do Estado Novo: sem dúvida que uma e outra coisa estavam ligadas, pelo que não posso culpar a cidade disso. Quando era pequeno, em casa dos meus avós, numa das colinas da cidade, subia a um terraço e de binóculos em punho ficava fascinado a ver os paquetes que acostavam ao cais da Rocha do Conde de Óbidos e depois partiam, rebocados Tejo fora, soltando um apito de despedida da cidade, um apito triste. Eram os italianos “Saturno” e “Vulcano”, o inglês “Queen Mary I”, o francês “France”, elegantes, misteriosos, desembarcando passageiros silenciosos e discretos. Hoje vejo os paquetes encostados em frente à Casa dos Bicos, monstruosos, grandes como urbanizações, os maiores poluidores da cidade, despejando nela 700 mil passageiros por ano e por algumas horas, para o circuito da beira-rio e dos pastéis de nata, ruidosos e absolutamente alheios à “Lisboa e Tejo e tudo” de que falava Pessoa. Mas isso, os novos paquetes, de que Barcelona e Veneza já se vão livrando, é apenas uma das coisas que num ápice, mas à vista de todos, vêm paulatinamente fazendo de Lisboa uma cidade prostituída ao turismo e roubada aos seus habitantes.
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Lisboa, cidade perdida
Primeiro são os lisboetas expulsos da sua própria cidade. Depois, vai ser preciso inventar outro país para onde os portugueses possam fugir