No momento em que escrevo estas linhas, o desfecho final das eleições legislativas não é conhecido, porquanto falta apurar os votos nos dois círculos da emigração. Ainda assim, e independentemente das leituras que se queira fazer dos resultados, há uma certeza que se impõe: o grande derrotado foi o Partido Socialista. E vale a pena fazer uma incursão histórica para alcançar a dimensão do seu fracasso.
Recuemos, para isso, a 1995, ano da primeira vitória de António Guterres. Nos dez sufrágios para a Assembleia da República desde então realizados, só em 2 (2011 e 2015), os socialistas registaram um número de votos inferior ao agora obtido. Apenas num (2011) tiveram uma percentagem mais baixa. E também só num (2011) elegeram menos deputados.
Mas a leitura é mais negativa, ainda, se atentarmos, em exclusivo, às situações em que o desaire ocorreu quando o PS se encontrava no Governo. Assim, em 2002, com Ferro Rodrigues, perderam cerca de 300000 votos, 6,5 pontos percentuais e 10 deputados. E em 2011, com José Sócrates, cerca de 500000 votos, 8,5 pontos percentuais e 23 deputados.
Trata-se, portanto, de uma derrota em toda a linha. E a pergunta que se impõe é simples: o que vai fazer o PS com esta derrota?
A luta de galos à esquerda já começou. O PCP, sem conhecer, sequer, o programa do futuro Governo liderado por Luís Montenegro, já anunciou a apresentação de uma moção de rejeição. O Bloco de Esquerda, do alto dos seus 5 deputados, pretende ser o catalisador de uma alternativa à esquerda e avançou com o pedido de realização de reuniões com todos os partidos dessa área política, em ordem a criar convergências. O Livre, numa espécie de momento “Monty Python”, diz que quer a esquerda a governar… Tudo, evidentemente, numa tentativa de condicionar Pedro Nuno Santos desde o primeiro momento.
Os números, porém, são o que são. E, como é óbvio, a liderança da oposição (pelo menos à esquerda) é do PS, que, sozinho, tem seis vezes o número de parlamentares daqueles três juntos…
Logo na noite eleitoral, Pedro Nuno Santos anunciou, e bem, que quem ganhou as eleições deveria formar Governo e que, logicamente, o PS não apresentaria uma moção de rejeição do programa de Governo, nem viabilizaria alguma que surgisse. Mas, ainda antes dessa declaração, o seu director de campanha foi adiantando que os socialistas não viabilizarão, com a abstenção, orçamentos da “direita”.
A linha política de que o PS não deve ser “muleta” do novo Governo é consensual no interior do PS (e, creio, faz todo o sentido). Contudo, é evidente a existência de algumas nuances interpretativas quanto ao posicionamento futuro do partido.
Assim, Augusto Santos Silva (que, recorde-se, não foi apoiante de Pedro Nuno Santos) veio dizer que o PS deve “estar disponível para os compromissos que sejam úteis, por exemplo, na área da justiça, ou indispensáveis, face à União Europeia ou até em finanças públicas, desde que salvaguardados pontos críticos fundamentais, que é preciso deixar bem esclarecidos perante a opinião pública”.
E Álvaro Beleza, que foi mandatário nacional do PS, considerou que “nas questões essenciais para o regime terá sempre que existir diálogo com o PSD” e que o PS “como partido-charneira da vida política tem conversado também com o PSD e com o CDS ao longo dos anos e deve fazê-lo também com a Iniciativa Liberal”. Já no que toca à aprovação de um Orçamento do Estado foi mais evasivo, limitando-se a dizer que “ainda falta muito tempo”.
O PSD, na oposição, pela mão de Marcelo Rebelo de Sousa, de Manuela Ferreira Leite e de Pedro Passos Coelho, viabilizou orçamentos de governos minoritários do PS (para já não falar nos PEC ou no pacto para a justiça celebrado quando Luís Marques Mendes o liderava).
Diferentemente, com excepção do primeiro orçamento de Cavaco Silva (1986), o PS nunca esteve disponível para apoiar as decisões (orçamentais ou outras) de que o País foi carecendo, mesmo quando se tratava de corrigir os gravíssimos problemas gerados pela sua governação. As coisas poderão, agora, seguir outro rumo?
Ninguém pode seriamente pedir ao PS que não seja aquilo que os eleitores quiseram que fosse – o maior partido da oposição. Que não actue em consonância com isso. E que, a partir dessa posição, não construa a alternativa política que, com naturalidade, representa.
Há, porém, uma via intermédia entre a oposição pela oposição e a atitude de “muleta” do Governo. É o caminho da responsabilidade. Que envolve, como é óbvio, a capacidade para separar as águas quando isso é necessário. Mas que impõe, também, a coragem para construir consensos quando o interesse nacional o exige. E, na minha perspectiva, o interesse nacional desdobra-se, hoje, em dois aspectos fundamentais: mobilizar energias e recursos para ultrapassar a difícil situação que, enquanto colectividade, vivemos e combater aqueles que querem por em causa os pressupostos fundamentais da nossa democracia.
Tudo se resume, portanto, a saber se o Partido Socialista pretende, como é legítimo, ser oposição ao Governo ou se, o que seria incompreensível, optará por ser oposição ao País.
Dirão os mais optimistas (ou incautos) que as declarações feitas por Pedro Nuno Santos, à saída da audiência com o Presidente da República, vão no bom sentido, uma vez que mostrou abertura para a aprovação de um orçamento rectificativo.
Lamento não partilhar dessa visão, que visa, em primeira linha, corrigir tiros no próprio pé. É que em causa estará, nas palavras do líder socialista, a valorização das carreiras dos professores, dos médicos e dos profissionais das forças de segurança. Ou seja, a correcção de eros crassos de governação, que tanta erosão geraram na sua base eleitoral.
Ora, para saber se o PS assumirá o tal caminho responsável de oposição é necessário bem mais do que isso. Esperemos, então, para ver.
José Matos Correia escreve de acordo com a antiga ortografia