Opinião

11-M: Vinte anos depois dos atentados terroristas em Madrid

Vinte anos depois, Espanha continua na mira dos terroristas. Em 2024, os atentados de Madrid ainda afetam os sobreviventes, tendo um impacto muito complexo em uma sociedade com uma “cultura política propensa à polarização”. No meio da ambiguidade, Portugal permanece um aliado fiel no combate ao terrorismo

Na manhã do dia 11 de março de 2004, dez bombas explodiram em comboios suburbanos da linha de Alcalá de Henares, em Madrid. À data de redação (2024), assinalam-se 20 anos do atentado terrorista mais mortífero na União Europeia (UE) até à atualidade. Perpetrado por uma célula com ligações à al-Qaeda, provocou 191 vítimas mortais e milhares de feridos, cujas estimativas variam entre 1800 e 2050.

Conhecido pela sigla “11-M” e objeto de estudo exaustivo desde então, o impacto deste atentado ficou marcado com a implementação do Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo. Todos os anos, líderes europeus prestam homenagem às vítimas, procurando sensibilizar as comunidades para o combate aos extremismos. Recordar datas desta importância é um desafio do ponto de vista histórico e emocional, mas é vital por respeito às vítimas e pela segurança coletiva. Em 2025, assinalam-se outras duas tragédias: 20 anos dos ataques em Londres (7/7) e 10 anos dos ataques em Paris (13/11). Entre os vários aspetos que se podem salientar sobre o impacto do 11-M, destaco seis.

  1. A ameaça terrorista em território espanhol persiste, subsistindo um nível de alerta elevado. Os atentados de Barcelona e Cambrils em 2017 são evidentes da perigosidade da ameaça. Reivindicado pelo Daesh, o ataque provocou 15 vítimas mortais e feriu 131 pessoas.
    O 11 de março surge novamente como um fator disruptivo: o líder da célula executante dos ataques em Barcelona, o imã radical Abdelbaki es Satty, tinha ligações a Rachid Aglif, um dos terroristas de Madrid. Satty, detido em 2012 por tráfico de haxixe, conheceu Aglif na prisão onde formaram uma “amizade particular”, revelam diversas fontes. A célula planeava perpetrar um ataque de grandes dimensões contra a Basílica da Sagrada Família - ou a Torre Eiffel - mas a detonação involuntária de explosivos aquando da preparação do ataque fez com que os terroristas mudassem de modus operandi, optando por recorrer ao atropelamento deliberado como método preferencial de ação.
  2. A vigilância mantém-se apertada. Ao longo dos anos, Espanha tem sido alvo de sucessivas ameaças na propaganda terrorista e as autoridades têm desmantelado diversas células com possíveis ligações à al-Qaeda, Daesh e afiliados, bem como frustrado potenciais ataques em território espanhol.
    Segundo dados do Ministério do Interior Espanhol, entre 11 de março de 2004 e 6 março de 2024, realizaram-se 410 operações no âmbito do combate ao terrorismo jihadista, nas quais se detiveram 1049 suspeitos. Só no ano dos ataques de Barcelona (2017), Espanha deteve 76 suspeitos em território nacional, o terceiro ano com maior número de detenções naquele período temporal. Mais recentemente, em 2022, dados da Europol demonstram que Espanha foi o segundo país da UE a registar o maior número de detenções relativas ao terrorismo jihadista, a seguir à França que ocupa o primeiro lugar. A maioria dos suspeitos detidos na UE é nacional de um país europeu, sendo que a nacionalidade espanhola é uma das mais prevalecentes.
    Este panorama é uma das principais mudanças desde o 11-M: com o impacto dos ataques e a evolução da ameaça a nível internacional, os grupos jihadistas passaram a representar uma das principais ameaças à segurança nacional espanhola (e também europeia) em detrimento de grupos domésticos como a ETA. No entanto, a ameaça terrorista é abrangente, não se restringindo às ações de matriz jihadista. Por exemplo, em 2022 Espanha foi alvo de ataque terrorista anarquista/de extrema-esquerda que provocou uma vítima mortal.
  3. As vítimas ainda sofrem com o 11-M. O documentário “11-M: Terror em Madrid” (2022) evidencia o seu sofrimento, mas também o esforço coletivo para sarar feridas e prevenir ataques semelhantes. Este é um trabalho que tem sido feito em colaboração com a União Europeia. Em 2020, a UE inaugurou o EU Centre of Expertise for Victims of Terrorism (EUCVT) com o objetivo de melhorar o apoio e a proteção das vítimas e, em 2021, publicou o Manual sobre Vítimas do Terrorismo. Este manual está disponível em diferentes versões, adaptadas à realidade de cada Estado-membro, tal como ilustra a edição espanhola e portuguesa, que contou com a colaboração da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).
    Neste âmbito, salienta-se também a atenção da cinematografia europeia para esta problemática, como ilustra a minissérie belga “Bagagem Perdida” (2020) que retrata uma perspetiva muito dura e comovente sobre a dor dos sobreviventes e testemunhas, bem como a resiliência daqueles que tudo fazem para proteger, mesmo sofrendo.
  4. A comunidade muçulmana mantém-se como um ativo central para a propaganda terrorista, quer para o terrorismo jihadista, quer para o terrorismo de extrema-direita. Esta comunidade é explorada de duas formas: por um lado, para efeitos de radicalização e, por outro lado, como alvo para ataques de ódio (islamofobia). Não obstante a instrumentalização por parte de grupos terroristas, ao longo dos anos tem-se verificado um empenho da comunidade islâmica espanhola na luta contra fenómenos religiosos radicais e no apoio às vítimas e sobreviventes.
  5. A perceção pública espanhola sobre o terrorismo é elevada, mas esta ameaça não é a mais importante perante outros desafios. O 11 de março é uma marca profunda na sociedade espanhola, mas é uma ameaça relativizada: em 2004, 59% de Espanhóis consideraram o terrorismo como um dos principais desafios para o seu país; em 2023, o resultado foi apenas de 3% em consequência do aumento do custo de vida e da eclosão da Guerra na Ucrânia. O trabalho das Forças e Serviços de Segurança bem como a evolução do contexto internacional contribuem para a mudança de perceção.
  6. Portugal é um aliado essencial na cooperação contra o terrorismo. Portugal e Espanha são parceiros aliados em múltiplos fora, privilegiando a cooperação multilateral para a prevenção e combate ao terrorismo. A colaboração entre congéneres policiais é frequentemente elogiada, partilhando preocupações semelhantes no âmbito da segurança, pela geografia e inserção no espaço europeu.

O dia 11 de março de 2004 persiste na memória de milhares de espanhóis e europeus. Estes seis aspetos são apenas uma parte de um impacto muito complexo, em um país que enfrenta múltiplos desafios. No conjunto da UE, Espanha é, a par da França e do Reino Unido, um dos países mais impactados pelo terrorismo ao nível de ataques, vítimas e detenções; tem um legado islâmico atrativo para a propaganda terrorista, bem como uma “cultura política propensa à polarização”, como refere o especialista Fernando Reinares.

Pese embora a complexidade da ameaça terrorista e os desafios das tecnologias emergentes, as autoridades têm uma certeza: “estamos aqui para salvar vidas”. Esta citação é ficcional, incluída na série “La Unidad” (2020), mas não menos verdadeira. A série, baseada no trabalho da unidade de contraterrorismo da polícia espanhola, estreou uma nova temporada em 2023. A equipa da inspetora Carla está no Afeganistão para novas operações e a ficção acompanha a realidade. Em diversas ocasiões, o governo espanhol reconheceu que a participação em missões internacionais é, para os terroristas, um incentivo para novos ataques. Vinte anos depois, e após o regresso dos Talibã ao poder, para onde caminha a Espanha?