Opinião

Europeias 2024: o bicho-papão da imigração

A migração é desde sempre uma das áreas mais difíceis de ação na UE, apesar das competências claras previstas nos Tratados atuais. Neste último mandato, a reforma da política de migração e asilo da UE foi uma das grandes prioridades. No próximo, mantê-la será um dos principais desafios

O início da semana passada foi marcado por uma declaração grave de um antigo primeiro-ministro em que o mesmo dava a entender existir em Portugal uma correlação entre imigração e (in)segurança. É sabido que esta narrativa não é suportada pelos dados, o que demonstra ainda mais a extrema irresponsabilidade de quem a tenta alimentar. Portugal é simultaneamente um dos países mais seguros do mundo e o quarto país mais envelhecido e cujo envelhecimento da população é o mais acelerado dentro da UE. Precisa, pois - e muito - da mão de obra imigrante e deve continuar a fazer esforços para facilitar e melhorar a sua integração. Discursos no sentido contrário são, por isso, contraproducentes para os interesses do país e fomentam preconceitos que conduzem à violência não dos imigrantes para com os portugueses, mas destes para com os primeiros. Os exemplos são vários, entre eles a onda crescente de xenofobia contra a comunidade brasileira imigrada em Portugal que, ironicamente, escolheu o nosso país precisamente por o considerar um lugar seguro em contraste vincado com a realidade atual do Brasil.

Em dezembro passado, após anos de difíceis negociações, o Parlamento Europeu e o Conselho da UE chegaram a um acordo relativo a cinco instrumentos legislativos que visam dar um novo fôlego à gestão europeia do asilo e da migração. As novas regras, que vão desde o rastreio e a recolha de dados ao processamento e determinação do Estado-Membro responsável por pedidos de asilo, representam uma mudança de paradigma bem necessária em relação há última década pois estabelecem finalmente um mecanismo obrigatório de solidariedade entre todos os Estados-Membros, em particular para com os que se encontram sob forte pressão migratória pela sua posição “de entrada” nas fronteiras externas da UE. Ao tornar mais eficazes as políticas de regresso e potenciar um tratamento mais célere e eficiente dos pedidos de asilo, combatem ainda o fenómeno da introdução clandestina - um objetivo importante, especialmente volvidos 10 anos desde a tragédia do naufrágio de Lampedusa em que 369 pessoas morreram no Mediterrâneo. A reforma foca-se igualmente na promoção da migração legal de pessoas com competências necessárias na UE, dada a atual falta de mão de obra qualificada em diversos setores e a necessidade de promover a inovação e empreendedorismo europeus em áreas estratégicas como a tecnologia, em resposta aos desafios demográficos e migratórios de um continente envelhecido.

Infelizmente, aliar a desinformação e o discurso de ódio ao tema da imigração faz parte do manual de instruções da direita extremista em todo o mundo. Pense-se no discurso inflamado de Trump sobre a construção de um muro na fronteira entre os EUA e o México ou na saída do Brasil do Pacto Global para a Migração durante o governo de Bolsonaro. Dentro da UE, esta demagogia continua a contribuir para o crescimento de forças partidárias como a Alternativa para a Alemanha (“AfD”) ou o Chega. Não surpreendentemente, a Hungria e a Polónia opuseram-se ao novo pacto acordado, chegando Viktor Órban a caracterizá-lo como uma “violação jurídica” e a alegar haver uma “ligação clara” entre atos de terrorismo e migração. Contudo, nem sempre é possível esconder a hipocrisia por detrás destas posições e um bom exemplo foi o escândalo que abalou o partido nacional-conservador polaco Lei e Justiça (“PiS”) o ano passado ao desencobrir esquemas de corrupção na emissão de vistos em troca de benefícios financeiros por oficiais do governo no serviço consular.

Tendo isto em conta, um dos principais desafios durante o próximo mandato em Bruxelas será garantir a implementação efetiva destas novas leis europeias que, além do mais, são ainda para muitas organizações não governamentais insuficientes para garantir solidariedade para com os imigrantes e refugiados (cujos pedidos de asilo aumentaram significativamente também em Portugal nos últimos anos) de acordo com o direito internacional e os direitos fundamentais reconhecidos na UE. Outro será prevenir mais memorandos de entendimento que carecem de transparência e escrutínio parlamentar negociados pela Comissão Europeia com países terceiros em nome da UE em jeito de externalização da gestão dos fluxos migratórios.

Um mau exemplo recente foi o celebrado em julho do ano passado com a Tunísia (outros incluem a Turquia e a Líbia), tendo em conta as várias violações de direitos humanos no país e o regime autocrático e de perseguição a opositores políticos liderado presidente tunisino. Este é um precedente que ajuda a vislumbrar a nova dinâmica institucional que poderá ter lugar em 2024 graças à influência de líderes como Georgia Meloni, que esteve presente na assinatura do acordo juntamente com a Presidente da Comissão Europeia e cujo país, por um lado, tem apertadas leis de imigração e restrições nas missões de resgate no mar e, por outro, recebeu em 2023 a maioria dos migrantes que chegaram à Europa desde o norte de África. É, a meu ver, um precedente que explica igualmente bem o quão é imprescindível, dentro do atual contexto de campanha eleitoral que perdurará até às eleições europeias, desmistificar o bicho-papão da imigração, com base nos factos e nos números e não recorrendo a perceções.

As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e não representam as posições do Parlamento Europeu ou do grupo S&D.