Os novos líderes mundiais. A ideia de uma nova ordem internacional não é nova e podemos recuar aos meados do século 20 para situar essa noção de um mundo que se encaminha para a unipolaridade. Uma espécie de governo mundial encabeçado por um ator específico (EUA) e os seus sucedâneos (Aliados). Recentemente, passou-se a afirmar que a guerra na Ucrânia veio acelerar a emergência de uma nova ordem, caracterizada por uma crescente oposição entre o entre o Norte e o Sul Global – o que quer que isso realmente signifique. Mas se há coisa na qual não parece haver qualquer oposição geopolítica, socioeconómica ou cultural é no tipo de atores que lideram e liderarão essa ordem. Eles são exclusivamente homens, grisalhos ou calvos, nascidos nas décadas de 1940 e 1950, que passaram a idade de reforma há tempo e, aparentemente, muito apreciadores de poder. Eles são os (proto-)octogenários.
Alternância democrática, qual alternância? Quando Lula da Silva se aproximava da vitória nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, enquanto assistia com naturalidade à satisfação das pessoas nas ruas, questionava-me: - é normal que um país com cerca de 215 milhões de habitantes precise de ir buscar um ex-presidente que serviu em dois mandatos e que é candidato presidencial desde 1989? Se terminar o mandato, Lula entrará oficialmente no clube dos octogenários no poder. Mas está longe de ser o que mais se destaca neste campo: o presidente dos Camarões, Paul Biya, com 91 anos de idade, é líder destacado nesta frente. No caso dos EUA, com mais de 330 milhões de habitantes, a falta de alternância é ainda mais flagrante. Com a possível reedição Biden-Trump, pela primeira vez em mais de um século, dois presidentes lutam pela reeleição. Se Biden ganhar ficará no cargo até aos 86 anos; se for Trump, então, ficará até aos 82.
Novos príncipes octogenários. O exemplo da segunda maior democracia do mundo parece servir de inspiração para muitas partes do mundo. Putin, alterou a constituição em 2020 para redefinir o número de mandatos presidenciais que se pode cumprir na Rússia. Isso permitiu-lhe contornar os limites de mandato nas eleições de 2024 e 2030, abrindo-lhe a porta para permanecer legalmente no cargo até 2036, quando tiver 85 anos idade. Na Índia, de acordo com as sondagens, Narendra Modi deverá conquistar um terceiro mandato enquanto primeiro-ministro, ficando no poder, no mínimo, até à porta dos 80. Contudo, com o ascendente do seu partido e com a popularidade galopante do seu nacionalismo hindu, quem sabe quantas reencarnação políticas poderá ter. Continuando na Ásia, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana, conta com 88 anos o que deve ajudar a justificar a necessidade expressa por muitos internacionalistas de se renovar a liderança dos palestinianos, de modo a
responder aos desafios da criação de um Estado da Palestina. Ainda na Ásia, mas fugindo para a Europa, encontramos Recep Tayyip Erdoğan que conquistou um terceiro mandato em 2023. De acordo com algumas interpretações criativas da Constituição turca, Erdoğan poderá ter um mandato até 2033, onde teria a proveta idade de 80 anos. E a China? Quase me esquecia que Xi Jinping, ao contornar a regra dos dois mandatos, se posicionou como putativo líder eterno dos chineses. Só o futuro, isto é, o PCC, dirá onde estará quando atingir a marca dos 80. Por fim, Prabowo Subianto, na Indonésia, com a conquista presidencial de fevereiro passado garantiu um mandato que, pelo menos, bate à porta dos 80.
Estes líderes políticos de hoje e de amanhã, fazem parte da transição entre a Geração Silenciosa, do pós-Segunda Grande Mundial, e a dos Baby Boomers. São, segundo os clichés desta geração, motivados pelo prestígio profissional, competitivos e workaholics – talvez os primeiros na história a ser diagnosticados com esta maleita. Uma geração que, podendo ter-se reformado há década e meia, preferiu continuar a trabalhar e, nestes casos, a ocupar lugares de chefia executiva em países correspondentes a, pelo menos, 3,9 mil milhões de pessoas (quase metade da população mundial).
Quer seja pelo aumento da esperança média de vida, pela insalubridade dos regimes eleitorais e democráticos, pela sofisticação dos mecanismos de obtenção e retenção do poder, a realidade mostra que a nova ordem mundial será dos octogenários e que, contrariamente, ao que apregoava o filme dos irmãos Coen, este mundo não é para novos.