Opinião

Europeias 2024: UE 3.0

Se neste mandato o “Brexit” trouxe o Artigo 50.º do Tratado de Lisboa para a ribalta, o próximo muito provavelmente dará a vez ao artigo precedente, pois outro dos principais focos da próxima legislatura europeia será o alargamento da União

No seu discurso sobre o estado da União a 13 de setembro do ano passado, a Presidente da Comissão Europeia disse acreditar que a “equipa Europa” funcionará com mais de 30 Estados-Membros. Com isto queria referir-se à perspetiva de um próximo alargamento da UE enquanto motor de força e segurança geopolítica além da integração económica. Falou também da abertura dos relatórios europeus sobre o estado de direito aos países em processo de adesão de forma a acelerar e melhorar as suas reformas, em conformidade com os critérios de Copenhaga previstos no Artigo 49.º do Tratado de Lisboa. Estes últimos pressupõem estabilidade institucional e democrática, uma economia de mercado resiliente e concorrencial e a capacidade de aplicar efetivamente o acervo comunitário.

Os diferentes desafios dos últimos anos, desde a invasão da Ucrânia e o conflito no médio Oriente à crescente proeminência geoestratégica da China e a atual situação política nos Estados Unidos, explicam o novo fôlego na discussão sobre o alargamento nos corredores de Bruxelas. A última adesão foi da Croácia em 2013. 10 anos depois, em dezembro passado, o Conselho Europeu aprovou a abertura de negociações de adesão com a Ucrânia e a Moldova e concedeu à Geórgia o estatuto de país candidato. Na Declaração de Granada de outubro que precedeu tais decisões, os líderes europeus afirmaram que o alargamento é um investimento estratégico na paz e prosperidade do continente europeu, na promoção dos seus valores democráticos e na melhoria das condições sociais e económicas dos seus cidadãos.

Este intento, ainda que comendável, provoca uma tensão reconhecida tanto pelo Conselho Europeu como por Ursula von der Leyen. Isto é, uma tensão entre a dimensão de política externa e os objetivos que o alargamento cumprirá nesse contexto de forma a revigorar a autonomia estratégica, a soberania e capacidade de ação da União em tempos cada vez mais voláteis, por um lado, e a dimensão constitucional que um alargamento territorial acarreta em termos da capacidade institucional da atual governança e dos instrumentos-chave que sustentam a continuidade e a sustentabilidade do projeto europeu. Esta é, aliás, uma tensão bem presente no seio das discussões sobre este tema que têm tido lugar no decorrer das sessões plenárias de Estrasburgo dos últimos meses. Para alguns, o processo de alargamento e o aprofundamento da integração europeia só poderão avançar com sucesso uma vez concluídas as reformas internas necessárias para os acomodar, por exemplo no que diz respeito aos mecanismos de decisão, à composição das instituições e à capacidade fiscal. Para outros, a necessidade de reforma interna não deve ser impedimento para a continuação e conclusão de tais negociações em paralelo até 2030.

Independentemente da abordagem política que venha a prevalecer num próximo mandato, será desafiante, porém fundamental, garantir coerência em pelo menos duas frentes. A primeira e mais evidente é a da proteção do financiamento de políticas estruturais como a de coesão (chefiada no mandato atual pela Comissária portuguesa Elisa Ferreira), determinante para reduzir as disparidades territoriais e sociais dentro da UE e que não deve ser utilizada como fundo de emergência para colmatar défices orçamentais inesperados. Numa UE com 30 ou mais Estados-Membros, é expectável uma redistribuição de fundos na direção dos mais recentes com regiões menos desenvolvidas e cujo PIB careça de estímulo e investimento. Contudo, numa altura em que se atravessa uma dupla transição (digital e climática) pela Europa fora, deve evitar-se um subsequente decréscimo do mínimo denominador comum.

A segunda frente a sublinhar é a da defesa dos valores fundadores da UE, tais como salvaguardados pelos Tratados, tanto pelos atuais Estados-Membros como pelos que venham a assinar a sua adesão. É contraditório concentrarmo-nos na avaliação do respeito pelo Estado de direito em países candidatos, incluindo a separação de poderes, quando é notório o declínio desse respeito em Estados-Membros já com assento e decisão. Em janeiro, o Parlamento Europeu adotou uma resolução em que pondera agir perante o Tribunal de Justiça da UE contra a Comissão Europeia após esta ter desbloqueado 10,2 mil milhões de euros de fundos de coesão para a Hungria que foram previamente congelados por repetidas violações do Estado de direito. Este escrutínio democrático e jurídico é de extrema importância porque os princípios básicos do mérito e da transparência pelos quais se regem os processos de adesão deveriam aplicar-se de forma igualmente ou até mais estrita aos que já fazem parte do clube e não cumprem as regras.

Uma União 3.0 só será bem-sucedida e de valor acrescentado em relação à versão anterior se conseguir garantir que os seus novos Estados-Membros materializam uma extensão territorial de paz e democracia assente numa economia sustentável e verde que obedeça a critérios claros de justiça social. Até lá e por isso, há que garantir exatamente o mesmo quanto à versão para já instalada. Não queiramos um alargamento ao estilo do “faz o que eu digo, não faças o que eu faço” - o preço poderá ser demasiado elevado.



As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e não representam as posições do Parlamento Europeu ou do grupo S&D