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Opinião

Cadáveres

Os velhos territórios do PCP no Algarve, Ribatejo, Alentejo e na periferia de Lisboa estão hoje à mercê do Chega

Há aquela história da viúva que espalha as cinzas do marido no quintal para depois plantar uma oliveira em cima da terra tisnada pelos restos mortais; da morte sai luz, não é? Gostava muito de usar esta metáfora luminosa na política portuguesa, mas não dá. Ou melhor: dá, mas tenho de trocar a atmosfera da luz para a treva. Das cinzas estão a sair mais cinzas. Ou seja, do cadáver do PCP está a nascer uma árvore retorcida e negra, o Chega. Para perceberem o que estou a dizer, peço-vos que pensem no Manel. O Manel dos Carros, como é conhecido no bairro, já está reformado; foi operário e mecânico na velha cintura industrial de Lisboa; ainda é do partido. Queria que a filho, o Tó, seguisse o seu ofício, mas desejava que a filha estudasse para ser doutora. A filha, a Cátia, lá estudou, sim, mas numa faculdade sem crédito e num curso sem saída óbvia. Agora ela tem um trabalho medíocre que não carecia de curso superior, ou seja, perdeu tempo, dinheiro e está frustrada. O regime disse-lhe que tirar um canudo era o mesmo que entrar nas águas calmas da classe média. O elevador social, porém, parou entre os dois andares. Está a pensar em emigrar, está farta de trabalhar em call centers ou na grande distribuição, espaços onde o trabalho nunca foi unificado pelo partido. Há apenas um individualismo extremo e ressentido.