Em O Dia Depois de Amanhã (um daqueles filmes-catástrofe que notabilizaram Roland Emmerich), constrói-se um cenário apocalíptico, em que, como resultado de uma acentuada quebra de temperatura, determinada pelo degelo polar, a corrente do Atlântico Norte é interrompida.
A realidade parece estar agora a aproximar-se da ficção. Com efeito, há poucos dias um estudo publicado por reputados climatólogos e oceanólogos alerta, precisamente, para a elevada probabilidade de colapso das correntes do Oceano Atlântico (ou, mais propriamente, daquilo que se designa por AMOC – Atlantic Meridional Overturning Circulation), relacionando a situação com a redução da camada de gelo da Groenlândia induzida pelo aquecimento global.
Caso tal venha a ocorrer (embora, infelizmente, a questão pareça ser mais de “quando” do que de “se”), a Europa será afectada por intensas vagas de frio. Mas não estará em causa, apenas, o Velho Continente. Outras zonas do globo serão seriamente atingidas.
Por esta altura do ano, e em condições normais, vastos milhares de pessoas dedicar-se-iam à prática dos desportos de inverno, com destaque para o ski. E muitas outras veriam o seu sustento garantido pela prestação de serviços de hotelaria e restauração, entre outros. Mas não. Em países como a Suíça, a França ou a Itália (e até entre nós), um número considerável de estâncias está fechado. E, nalguns casos, a temperatura registada é de tal ordem, que nem sequer é possível recorrer à neve artificial.
O passado mês de Janeiro foi, desde que há registos, o mais quente de sempre, com a temperatura média superior, em 1,66 º C, à estimativa da média, para o mesmo mês, na era pré-industrial (1850-1900) e 0,70 °C acima do valor médio do período entre 1991e 2020. Em Portugal, por seu lado, a temperatura média do ar situou-se, nesse mesmo mês, em 11,25 °C, isto é, 2,37 °C para lá do valor normal averbado nos trinta anos que vão de 1981 a 2010.
Na Ucrânia, a hipótese de vitória da Rússia é real, e ocorrerá com elevado grau de probabilidade se o nível de apoio por parte dos Estados Unidos e da Europa não se mantiver (ou, até, se não aumentar).
Do lado de lá do Atlântico, porém, a espiral de irresponsabilidade trumpista acentua-se, indo para lá daquilo que até os mais pessimistas esperariam.
Na Câmara dos Representantes, os seus apaniguados (para não dizer vassalos), em larguíssima maioria dentro do grupo parlamentar republicano, têm vindo a bloquear o fornecimento de material militar à Ucrânia, estabelecendo uma interconexão totalmente abstrusa entre esse tema e a matéria do controlo da imigração. Resultado: Washington suspendeu o envio para Kiev de mísseis e de munições.
Quando foi presidente, Donald Trump chegou a ameaçar com a retirada do seu país da NATO. E colocou uma ênfase especial, como é seu hábito, na questão das contribuições financeiras, pressionando os parceiros europeus a cumprirem o compromisso de Gales, dedicando 2% do PIB às despesas de defesa.
Agora, aproveitou um comício na Carolina do Sul para revelar que, quando era presidente, um homólogo de um dos grandes países europeus lhe perguntou se, em caso de ataque da Rússia, os Estados Unidos defenderiam o seu país, caso este não pagasse. A resposta, segundo Trump, foi: “Não, não protegeria. De facto, encorajá-los-ia (isto é, à Rússia) a fazer o que diabo quisessem. Vocês têm de pagar. Têm de pagar as vossas contas”.
O desprezo para com os parceiros transatlânticos não poderia, pois, ser maior. E a autoestrada aberta às ambições (e à agressividade) russas, também não.
Na Europa, só a muito custo se conseguiu ultrapassar, por fim, a oposição da Hungria e aprovar um pacote de apoio à Ucrânia no montante de 50.000 milhões de euros. Contudo, naquilo que é mais premente, por condicionar o esforço de guerra, não vai ser cumprido o compromisso de entregar 1 milhão de munições de artilharia de 155 mm até ao mês que vem, ficando-se, na melhor das hipóteses, por metade.
Não se trata, como é óbvio, de má vontade, mas, pura e simplesmente, de falta de material, decorrente da limitada capacidade de produção. O que é bem revelador da degradação a que países europeus deixaram chegar a sua capacidade de defesa e a pouca importância que dedicam à questão, mesmo em situações, como a actual, de elevada volatilidade.
Aqui chegado, o leitor pode legitimamente interrogar-se sobre que sentido faz misturar, num mesmo texto, alertas relacionados com a crise climática, por um lado, e com os desafios em matéria de segurança e defesa europeias, por outro. Mas a verdade é que faz. E é muito simples explicar porquê.
Portugal vive em clima de campanha para as eleições, desdobrando-se os partidos políticos e os seus líderes em múltiplas iniciativas, típicas do momento: apresentação de programas, comícios, debates.
Basicamente, todas elas se têm centrado nos mesmos temas: a saúde, a educação, os impostos, o crescimento económico, as pensões, a justiça, as alianças políticas pós-eleitorais.
Nada de surpreendente, porque se trata, evidentemente, de temas centrais, tanto na agenda política, quanto nas preocupações dos cidadãos.
Mas, e o resto? E não digo tudo o resto. Porque há assuntos e assuntos. E por isso escolhi, especificamente, duas áreas que tudo condicionam, também para Portugal: as alterações climáticas, pela essencialidade de inverter a situação a que se chegou, sob pena de hipotecarmos, de forma definitiva, o futuro; a segurança e defesa, pela necessidade de nos prepararmos para o mais que poderá vir do aventureirismo criminoso de Putin, em conúbio com o desbragado populismo de Trump, se ambos tiverem sucesso no futuro próximo - aquele na Ucrânia, este nas eleições de Novembro.
Sobre isso, nada (ou quase nada) nas iniciativas públicas. E pouco, muito pouco, nos programas eleitorais, para além da repetição dos lugares-comuns habituais.
E porque é que essa ausência se regista? Porque os políticos querem votos. E intuem que certas matérias, por maior que seja a sua importância, não lhes trazem votos. E isso é o mais preocupante de tudo. Porque significa que, para a esmagadora maioria dos eleitores, aquilo que está longe do seu quintal – ou melhor, que parece estar – não importa. Ainda que, mais do que quaisquer outras questões, possa lançar nuvens (muito) sombrias sobre o horizonte.