Opinião

As Causas: Os quatro cenários para o 10 de março

Vamos então analisar todos os cenários possíveis para o resultado de 10 de março, que afinal são realmente apenas quatro

No espaço público existe muito comentário (e cada vez mais jornalismo também) empenhado em levar água a um moinho.

Em períodos eleitorais, sobretudo quando a indefinição é real (ou pressentida), tudo se acentua pois pequenos sucessos, que eu chamaria infinitesimais, podem fazer a diferença.

Mas para além disso – e se calhar mais – também há no espaço público muita iliteracia politológica, que tende a ser superior à que encontro em pessoas com quem me cruzo ou com quem convivo, como os que estão em casa a ver-me e ouvir-me, o que nunca me canso de agradecer.

Por isso, hoje vou tentar apresentar um trabalho didático, que se não resultar será por culpa minha. Procurarei, como faço sempre, ser imparcial e reafirmo que sou e continuarei a ser independente.

Vamos então analisar todos os cenários possíveis para o resultado de 10 de março, que afinal são realmente apenas quatro:

a) Vitória do PS (mais deputados do que o PSD) e vitória da Direita (PSD, CDS, IL e CHEGA com 116 ou mais deputados);

b) Vitória da AD (mais deputados do que o PS) e vitória da Esquerda (PS, BE, PCP, LIVRE e PAN com 116 ou mais deputados);

c) Vitória da AD e da Direita;

d) Vitória do PS e da Esquerda.

OS DOIS CENÁRIOS (MAIS) SIMPLES

Comecemos pelos cenários mais simples, as hipóteses c) e d) supra, ou seja, vencem AD e Direita ou PS e Esquerda.

Nessas hipóteses teremos governo com programa não rejeitado, mas em qualquer delas os governos serão minoritários.

Realmente, se ganhar a AD, porque “não é não”, não haverá acordo parlamentar, de governo ou coligação com o CHEGA, e talvez também não com a IL.

Mas não será chumbado o programa de governo, pois André Ventura já confirmou que não votaria uma moção de rejeição do PS e este partido retribuiu a gentileza.

Se ganhar o PS, haverá governo, porque ninguém à Esquerda e nem sequer provavelmente a AD votaria a moção de rejeição do programa de governo que o CHEGA não deixará de apresentar.

Mas uma coligação ou acordo formal de governo não deverá ocorrer incluindo o PCP (saiu escaldado da “geringonça”) nem o BE (irá exigir mais do que o PS quer dar e sem isso também prefere não se comprometer). LIVRE e PAN vender-se-ão barato ao acordo, mas sem os outros não valerá a pena.

Nestas duas hipóteses uma dose de potencial instabilidade existe, mas com habilidade, argúcia e pragmatismo tudo se poderá ir resolvendo.

O problema pode ser o que “fontes de Belém” disseram a Ângela Silva e de que falei na passada semana: exigir-se em Belém um acordo maioritário para que o PR deixe votar o Orçamento para 2025 no próximo Outono.

A exigência é absurda e não garante futura estabilidade. Admito que o PR meta na ordem a pitonisa Marcelo e tudo corra bem, ou seja, que se deixe o sistema político encontrar os seus próprios equilíbrios.

Mas não é garantido que Marcelo seja controlável.

CENÁRIO VITÓRIA DO PS E DA DIREITA

Vamos então aos dois outros cenários, mais complicados, começando pelo cenário a): PS com mais deputados e Direita com 116 ou mais deputados.

Neste caso, a probabilidade de que o programa de governo seja rejeitado é muito grande: o CHEGA apresentará uma moção de rejeição e a posição do PS quanto aos Açores torna provável que a AD vote a favor rejeição.

Pedro Nuno Santos ficaria a presidir a um governo de gestão até às eleições em novembro.

Pode não ser assim se:

a) A IL decidir abster-se e a Direita só tenha maioria absoluta com ela;

b) Se o PS revelar no dia 11 de março que afinal vai abster-se na votação do programa de Governo dos Açores, dando o dito por não dito e o PSD opte por abster-se em Lisboa como contrapartida;

c) Se o PSD preferir deixar o PS a grelhar até a um dos próximos Orçamentos.

Teríamos então governo, mas aqui o problema é que será mais difícil ao PR desautorizar a pitonisa Marcelo: no Orçamento para 2025 os pequenos partidos de Esquerda exigirão muito mais do que a IL e/ou o PSD estarão dispostos a aceitar.

Existe, no entanto, uma alternativa que será completamente constitucional, se o PR não seguir a profecia da pitonisa:

a) O Programa de Governo do PS é rejeitado pela maioria da Direita;

b) O PR chama a seguir a AD (Montenegro dará o dito por não dito e aceita formar Governo, ou anuncia que o PSD aceita o desafio com outro Primeiro Ministro);

c) A Esquerda apresenta uma moção de rejeição e o CHEGA abstém-se para não votar com toda a Esquerda.

Neste caso o cenário passaria a ser igual ao c) supra (Vitória da AD e da Direita) e não terá mais nem menos estabilidade do que ele. E politicamente não se percebe por que razão Belém deveria não o apoiar.

CENÁRIO VITÓRIA DO PSD E DA ESQUERDA

Finalmente o cenário b) (vitória da AD e Esquerda com 116 deputados), que devia ser um espelho do anterior:

a) O programa de governo da AD será rejeitado pela Esquerda, isso parece assegurado desde já;

b) Luis Montenegro ficaria a presidir a um governo de gestão até às eleições em novembro;

Poderá não ser assim se:

a) a Esquerda sem o PAN não tiver 116 votos e Sousa Real aceitar aliar-se à AD ou, ao menos, não votar a moção de rejeição da Esquerda, o que depois da estratégia maluca dela no debate do passado domingo não vai ocorrer;

b) Ou se o PS preferir deixar o PSD a grelhar até a um dos próximos Orçamentos.

Também seria constitucional o PR chamar o PS após a moção de rejeição do governo da AD e neste caso uma moção de rejeição vinda da Direita não passaria.

Como na hipótese anterior, de que esta é espelho, o cenário passaria a ser igual ao d) supra (Vitória do PS e da Esquerda) e não terá mais nem menos estabilidade do que ele. E politicamente não se percebe por que razão Belém deveria não apoiar.

Uma mudança de paradigma?

O resumo disto tudo é que a instabilidade é inevitável em qualquer cenário, mas que ela é gerível.

A grande questão é outra: a seguir a 1979 viveu-se um longo período de bipolarização entre dois blocos, que gradualmente reduziu o peso do PCP e UDP (que nesse ano, com outros mais pequenos, obtiveram 23,5%), e que terminará em 2024, com o CHEGA a aproximar-se da votação do PCP de há 45 anos.

Não é verdade que essa evolução tenha sido destruída pelo bloco central (que ocorreu entre 1983 e 1985).

Agora estamos pela primeira vez na história da Democracia a ter provavelmente de viver com um modelo tripartido, pois o CHEGA está na fase ascendente e não como o PCP em 1979 que iniciava a sua queda.

Só não será assim se o CHEGA optar pela “normalização”, que poderia reconstituir uma nova bipolarização, o que não é nada provável ao menos com os dados que temos hoje, e como se revelou no debate entre AV e LM.

Mas se a estratégia de LM tiver sucesso, os radicais de Esquerda e o CHEGA ficarem com menos de 15%, pode manter-se uma bipolarização fraca.

Sendo assim, espera-se que se não tente o impossível – uma estabilidade de alianças – que ao não ser alcançável é contraproducente.

PNS soltou o animal que há nele

A prevista apresentação do programa eleitoral do PS (sintomaticamente batizado de “Plano de Ação”) foi um excelente exemplo de transparência com iminente significado político:

a) PNS virou à Esquerda, decidiu soltar o animal que há nele e fê-lo muito bem e ao seu velho estilo, não faltando o picante de se dirigir explicitamente aos “camaradas”;

b) Com isso PNS revelou que vai combater até ao desespero para fagocitar o máximo de votos do BE, LIVRE, PAN e até PCP (neste caso será mais difícil), pois já percebeu que a Esquerda não vai alcançar 116 deputados e com isso só lhe resta tentar ter mais deputados do que LM;

c) É inevitável que perca votos à Direita com esta nova estratégia, e por isso a minha convicção é que está já a preparar a campanha eleitoral de novembro deste ano, que a pitonisa Marcelo prometeu se não houver maioria para aprovar o Orçamento.

O PS deve ter dados que justificam esta radical mudança de estratégia de PNS: estará já clarificado o tema de saber se é a Direita ou a Esquerda quem terá 116 deputados ou mais.

Mas a consequência disso é que a grande questão política – e agora só há uma – passou definitivamente a ser a de saber se é PNS ou LM quem comanda mais deputados, pois – como expliquei na passada semana – o Presidente da República só chamará LM ou PNS para formar governo com base nesse critério.

No mês que resta, os eleitores irão ser levados a decidir que se não quiserem o PS terão de votar AD e se não quiserem AD terão de votar PS.

Ou seja, a bipolarização pode até aumentar, adiando a tripolarização por algum tempo.

O elogio

No programa eleitoral do PS está escrito, e cito, “Clarificar as formas de coordenação e os poderes hierárquicos da Procuradoria-Geral da República no âmbito dos inquéritos, garantindo uniformização de procedimentos, a celeridade na investigação criminal, a satisfação dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos e o efetivo exercício dos poderes hierárquicos quando necessário, sem prejuízo da responsabilidade individual de cada magistrado”.

Isto significa defender que o MP passe a ser uma magistratura hierarquizada. O elogio merecido é para quem escreveu e conseguiu incluir isto no programa, numa conjuntura em que o PS (e não só…) tem problemas com a justiça.

O que seria perfeito era que os partidos garantissem nos seus programas a clarificação legal de que é intolerável alguém estar detido 21 dias para que um juiz de instrução determine se e quais medidas de coação lhe devem ser aplicadas.

Ler é o melhor remédio

À primeira vista poder-se-á pensar que os livros que hoje sugiro nada têm em comum.

Falo de “O Fim da Paz Perpétua” (Zigurate), de José Pedro Teixeira Fernandes, e de “Baviera Tropical” (Casa das Letras), de Betina Anton.

O primeiro, parte de Kant e da sua visão de um mundo melhor para analisar os riscos que se avolumam a nível internacional.

O segundo trata de Josef Mengele, o horrível médico nazi que torturou e fez matar muitas dezenas de milhares de presos em campos de concentração, em especial ciganos e judeus, que acabou por morrer numa praia no Brasil sem nunca ter pago pelos seus crimes.

Ambos nos fazem ver de perto que o Mundo é um lugar de tragédia, que a paz, a liberdade, a democracia, são realidades frágeis e voláteis e que a monstruosidade da “banalidade do mal” – como tão bem a descreveu Hannah Arendt a propósito de outro horrível criminoso nazi, Eichmann – nos interpela.

A pergunta sem resposta

O CHEGA propõe no seu Programa Eleitoral, no capítulo “Tornar Portugal Mais Seguro”, “reconhecer aos membros das Forças de Segurança o direito à filiação partidária, bem como o direito à greve”.

Ao mesmo tempo a palavra “Segurança” surge 109 vezes, quase uma por cada página do Programa.

A pergunta não é sobre se atribuir estes direitos à GNR não é inconstitucional, mas mais simples: consegue o CHEGA explicar como o direito de greve na PSP e na GNR aumenta a segurança dos portugueses?

Ou, usando a linguagem de Ventura, os “bandidos à solta” vão meter férias durante as greves?

A loucura mansa

As campanhas eleitorais são propícias a exageros, a promessas pouco sérias ou inviáveis, a ataques que se baseiam em falsidades.

Os debates entre partidos servem também para revelar essas situações e, espera-se, para permitir que os eleitores se não deixem enganar.

A hoje famosa Avó de Mariana Mortágua (que quando recebeu uma carta de despejo do senhorio tinha menos de 65 anos, apesar dos pais da líder do BE terem na altura 79 e 59 anos) é apenas um exemplo.

Além do BE, também o PAN e o CHEGA têm abusado para além do razoável deste tipo de estratégia. Exemplos não faltam, o que me falta a mim é tempo para as referir.

Segundo as sondagens recentes é possível que estes três partidos obtenham em conjunto entre 22 e 30% do voto dos portugueses.

A loucura não é pois que CHEGA, BE e PAN (irmãos inimigos) atuem assim. A loucura é que tantos portugueses não se importem e até se entusiasmem com isso.