Desde 2019 foram dados passos importantes em matéria de direitos das mulheres e igualdade de género na UE. Marcos relevantes são a adoção da Diretiva relativa à transparência salarial que visa combater as diferenças salariais entre homens e mulheres ou a revisão do plano de ação estratégico para a promoção da igualdade de género ao nível da ação externa europeia. Todavia, os próximos cinco anos de mandato devem priorizar mais destas políticas, pois ainda há muito a fazer e tal dependerá, em grande parte, de quem elegermos para nos representar na Europa.
Amanhã, realiza-se o que será presumivelmente a última reunião negocial da Diretiva sobre o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, no seguimento da adesão da UE à Convenção de Istambul do Conselho da Europa no ano passado. Paradoxalmente, entre os principais pontos de fricção das negociações pelo qual se tem batido o Parlamento Europeu está a inclusão na Diretiva do mesmo texto da Convenção sobre a necessidade de criminalização pelos Estados-Membros da violação enquanto ato sexual sem consentimento. Porque será tão controversa esta questão? E continuaria a sê-lo caso estivéssemos a falar de um ato maioritariamente praticado contra homens e não por eles?
Em 2022, a UE adotou uma Diretiva que requer que as nomeações para os quadros executivos e não executivos das empresas cotadas em bolsa sejam feitas através de processos transparentes em que o principal critério utilizado seja o mérito. Infelizmente, também no setor público há casos em que candidatos menos experientes e qualificados são escolhidos em vez de candidatas com mais experiência e qualificações, sem que os critérios subjacentes à decisão possam ser divulgados por razões de confidencialidade. Portanto, no próximo mandato as instituições europeias devem liderar pelo exemplo e fazer uma avaliação estrita do cumprimento destas e outras regras e considerar a extensão do seu âmbito de aplicação.
Nas últimas semanas, os fãs de cinema debateram a ironia inegável da nomeação para um Óscar do ator que interpretou a personagem de Ken no filme “Barbie”, sendo que a atriz principal e a realizadora do filme não foram nomeadas nas suas respetivas categorias. Sem entreter apreciações cinéfilas, parece-me ser mais uma confirmação de um problema culturalmente enraizado que se perpetuará enquanto eles continuarem a ser invariavelmente “muito bons”, incluindo aos olhos delas, mas elas nunca verdadeiramente “muito boas”, especialmente aos olhos deles. Madeleine Albright, a primeira mulher norte-americana a assumir o cargo de Secretária de Estado, disse um dia que há um lugar especial no inferno reservado para mulheres que não ajudam outras mulheres. Creio, contudo, que esta frase não se aplica às que não estão em posição de ajudar as outras (tais como as que não são eleitas ou nomeadas) e essas são ainda a maioria. A ausência comparativa de verdadeiras mentoras, de exemplos de liderança política, económica e social no feminino em igual quantidade ou de redes de contato com impacto semelhante influencia de forma desigual, em última instância, o sucesso e as oportunidades de muitas.
Atualmente, duas das três instituições mais proeminentes na arquitetura institucional da UE são lideradas por mulheres. Ursula von der Leyen preside à Comissão Europeia (cujo colégio de Comissários é composto de forma quase paritária) desde as últimas eleições europeias e Roberta Metsola é Presidente do Parlamento Europeu desde janeiro de 2022. Ambas têm superado desafios significativos (e inesperados) durante o exercício das suas funções, desde a pandemia à guerra na Ucrânia, entre outros. Por seu turno, numa altura de notórias dificuldades de gestão das relações entre os diferentes Estados-Membros, o Presidente do Conselho Europeu Charles Michel anunciou em janeiro a sua demissão do cargo (para se candidatar às eleições europeias) e, em menos de um mês, após receber duras críticas centradas na irresponsabilidade institucional da decisão, voltou atrás para levar o seu mandato até ao fim, em dezembro deste ano.
Apesar do contraste, o incidente diplomático de 2021 conhecido por “Sofagate”, em que o Presidente da Turquia recebeu Charles Michel e Ursula von der Leyen durante uma visita oficial com apenas uma cadeira disponível e o primeiro se sentou em detrimento desta última, ilustra bem as dinâmicas sociais enviesadas que continuam a privilegiar os homens “by default”, nomeadamente na perceção do mérito, da capacidade ou até da simpatia. Aliás, se ambos fossem candidatos à mesma posição, não me surpreenderia que Charles Michel fosse o escolhido - sem sabermos bem os critérios utilizados, claro está. Por isso, mais do que nos insurgirmos socialmente contra velhas máximas como “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”, devemos votar em junho próximo para ver mais decisoras em Bruxelas e mais legislação europeia que garanta que tanto as grandes mulheres como os seus direitos não continuem a ficar atrás dos homens não assim tão grandes.