O título de hoje pedi emprestado a Pedro da Silveira. O poeta açoriano usou o mesmo para a publicação da sua obra poética, inspirado no cancioneiro popular das ilhas de bruma. A quadra completa é um aviso importante em tempos de pleito eleitoral: “Fui ao mar buscar laranjas, / Que é coisa que lá não tem; / Fui enxuto, vim molhado, / Nem sequer vi o meu bem”.
A sabedoria popular pode ser bom ensinamento. Se insistimos em procurar algo num sítio em que o será possível encontrar, regressaremos de mãos vazias e até podemos levar uma banhada. Ficaremos até pior do que estávamos e ainda mais desalentados. Imaginem que isso se aplica a quem nos tem governado e agora vai a votos e a reflexão ganha atualidade e pertinência.
Alguns exemplos: Nos Açores será de esperar que o voto no PSD sirva para apresentar soluções para melhores cuidados de saúde quando é da sua responsabilidade a degradação dos serviços públicos? Ou encontrar soluções no PS para o custo da habitação quando foi sua escolha abraçar o mercado e a consequente especulação? Ou pensar em PSD e PS para estancar o crescimento da extrema direita quando o primeiro quer governar com ela e o segundo a alimenta para se segurar? Ou votar no Chega para atacar o sistema quando são os donos disto tudo que financiam este partido e andam com Ventura ao colo? Não vale a pena ir ao mar buscar laranjas.
Percebo que anda um desconforto no ar. Parece que nada é confiável, em todo lado há investigações e indícios de corrupção, “tudo o que é sólido se dissolve no ar”. Mas não podemos dizer que aqui chegamos sem sinais, nem a distração é desculpa plausível. Veja-se o que aconteceu na Madeira: até dentro do PSD havia vozes como a de Sérgio Marques a denunciar promiscuidade entre o setor público e o privado, Paulo Martins e Roberto Almada, eleitos pelo Bloco de Esquerda na região foram ameaçados e processados pelas mesmas denúncias, e as notícias públicas da influência de grupos económicos como o Pestana, AFA ou Sousa eram recorrentes. Mesmo sabendo tudo isto, o Chega que agora quer ser quem mais berra de indignação, pretendia ir para o Governo com o PSD e fez uma mega birra quando foi preterido pelo PAN. Não vale a pena ir buscar laranjas ao mar.
Já nos Açores, novamente o Chega quer ir para o Governo com PSD, que continuou a mesma política nos grandes negócios que já vinha do tempo das maiorias do PS. Como denunciou publicamente o António Lima, deputado do Bloco de Esquerda na ALRAA, e só a título de exemplo, privatizaram a EDA para entregar todos os anos milhões em dividendos ao grupo Bensaúde e à EDP, ou pagaram 15 milhões de euros em subsídios públicos para construir um hospital privado em São Miguel que agora foi parar às mãos da CUF. Não vale a pena ir ao mar buscar laranjas.
No domingo começa o corrupio de decisões que irão trazer um novo ciclo à política nacional. Serão regionais, legislativas, europeias e, não muito depois, autárquicas e presidenciais. Tempo para não repetir erros do passado nem perseguir lutas contra moinhos de vento. Se o mar não nos traz laranjas, deixemos de as tentar ir lá buscar. Na festa da democracia, podemos evitar a ressaca do dia seguinte e garantir que o day after seja o caminho que a esperança de uma vida melhor nos exige.