A queda do Governo de António Costa, a possível derrocada do da Madeira (ainda na corda bamba à hora a que estou a escrever), os inúmeros autarcas que têm perdido mandatos e mais aqueles que estiveram sob suspeita e acabaram inocentados, sem esquecer o folhetim do caso Sócrates, dão uma imagem peculiar do País: ou as autoridades judiciais têm demasiados poderes e abusam deles ou demasiados dirigentes políticos não se coíbem de entrar em negócios pouco sérios nem criam a bolha sanitária que deveria rodear quem tem cargos públicos.
Um ex-primeiro-ministro há anos sob suspeita, um governo de maioria absoluta derrubado e uma ameaça sobre um executivo regional vêm demonstrar que é mais fácil condicionar a vida política com uma carta dirigida à Procuradoria do que com o salutar debate democrático.
Acresce que nem o líder da oposição está imune, depois das dúvidas levantadas sobre questões fiscais relacionadas com a sua casa. Algo está mal, muito mal.
Pode argumentar-se que o Ministério Público tem pouco recato ou que empola as participações que lhe chegam. Talvez seja certo, mas nenhuma polícia conseguiria manter um processo em segredo depois de realizar uma operação como a que ocorreu na Madeira – talvez a maior alguma vez realizada pela Judiciária.
Quanto à qualidade da investigação, a discussão é diferente. Os inúmeros casos de acusações, que caem em tribunal ou mesmo antes de lá chegarem, não abonam a favor dos nossos investigadores.
As informações que vão caindo desprestigiam alguns dirigentes, venham ou não a ser condenados. Não quero replicar a história do lobo e do cordeiro – se não foste tu, foi o teu pai – mas é por demais evidente que se aplicarmos o princípio do “diz-me com quem andas…”, poucos passam no crivo.
Sócrates tinha o cofre cheio e pagava em dinheiro, na sede do Governo havia mais de 75 mil euros escondidos, na Madeira foi encontrado meio milhão em notas durante as buscas. Não seria dinheiro de Costa nem de Albuquerque, mas são, certamente, de alguém com quem não deveriam confraternizar.
Abertos os processos, o interesse público sobre os casos gera uma torrente de informações nada benéfica para a saúde política do País. Não sei se ganha o Chega – suspeito bem sim – , mas sei que perde a democracia.
O remédio? Como em quase tudo o que acontece na sociedade, está na Política. A dois níveis. Repensado o Estatuto do Ministério Público e o Código Penal – questões para as quais não parece haver coragem; guardando o recato exigível a quem tem cargos públicos – o que também não parece fácil, perante a crescente dificuldade em recrutar talentos para a política fora dos partidos.
Os processos eternizam-se – no de Sócrates ainda só vamos na primeira parte, pois faltam o julgamento e os inúmeros incidentes e recursos que as defesas saberão encontrar até que a sentença transite em julgado – e a democracia ressente-se.
Mais do que uma reforma, seria preciso uma revolução de mentalidades. A democracia tem solução – tem sempre uma solução. Mas quantos anos levará a encontrá-la?