Já aqui escrevi sobre a parte substantiva do segundo lançamento da AD que as dezenas de comentadores que o PSD tem espalhados pelas televisões tentaram transformar num encontro de sábios. Deixem-me agora tratar de três assuntos aparentemente menores. Menores no seu significado político, maiores na sua dimensão ética, o que é relevante quando quase toda a oposição de direita ao PS foi sendo feita, nestes oito anos, nesse patamar. Em dois dos episódios que trato hoje o PSD até é, por culpa própria ou sem ela, a vítima.
1. O regresso de Santana
A intervenção que, na Convenção da AD, levantou a sala e comoveu o presidente do PSD, foi a de Pedro Santana Lopes. Sobretudo quando ele explicou o árduo trabalho que Luís Montenegro teve para defender, como líder parlamentar, a austeridade. O povo ainda hoje não guarda boas memórias de quem disse que tinha deixar de ser “piegas” e o mandou emigrar. Só porque é mal-agradecido.
A receção apoteótica ao filho pródigo só não me deixa espantado porque há muito deixei de acreditar na exigência de mínimos de lealdade e seriedade nos partidos de poder – alguns apoios interesseiros a Pedro Nuno Santos, agora premiados, cabem nesta grande cesta. Estou com José Pacheco Pereira: “os partidos deviam ter vergonha de si próprios”. O problema não foi Pedro Santana Lopes ter abandonado o partido, formado outro e depois voltado, tudo no espaço de seis anos. Foi a razão porque fez cada uma das coisas.
Santana Lopes fundou a Aliança sete meses depois de se ter candidatado à liderança do PSD e de ter perdido a luta interna. Saiu porque tinha algum cisma ideológico ou político com quem ainda nem sequer tinha exercido a liderança? Não. Até aceitou fazer uma lista conjunta com Rui Rio para o Conselho Nacional. Saiu porque não conseguiu os votos da maioria dos militantes que achava merecer. E porque sentiu que aquele era o momento em que novos partidos à direita tinham espaço para crescer à custa do PSD. Até aqui, tudo bem. Não será de mim que ouvirão críticas a quem sai de partidos. Mas o oportunismo é evidente quando, depois do espetacular e merecidíssimo fiasco da Aliança, Santana abandona todos os que o seguiram para se candidatar, sem carregar o peso de uma sigla queimada, à Figueira da Foz, onde sabia que a vitória seria certa.
Agora, quando sente que pode recuperar protagonismo interno, Santana volta ao PSD que queria destruir num momento de fragilidade. Sem nada justificar ou explicar. E logo para elogiar o estoicismo e resistência de quem lá esteve nos momentos difíceis. Santana saiu porque perdeu eleições internas, criou um partido porque sentiu que o PSD estava frágil e podia ganhar com isso e regressou porque essa aventura lhe correu mal. Isto acontece porque, depois do exílio na Figueira da Foz, o ex-primeiro-ministro sabe que a sua deslealdade egocêntrica não é relevante num partido que nunca teve cimento doutrinário. Por ausência de identidade política, o PSD nunca foi mais do que uma federação de projetos pessoais. Por isso muda radicalmente de linha política com cada líder. Também por isso é tão frágil perante a investida de partidos que a clarificam.
2. A saída de Maló
No segundo caso, a saída de Maló de Abreu do PSD para o Chega, a vítima do oportunismo é de novo o PSD, mas desta vez sem responsabilidade própria. O PSD não tem de se preocupar, por agora, com a sangria. O Chega promete acabar com os tachos porque, como não se cozinha naquela casa, usa tupperwares para ir buscar os restos à casa do vizinho. Duvido que limpem Portugal (expressão típica de movimentos fascistas), mas é certo que estão a ajudar a limpar o PSD. Dano maior só virá se o Chega se aproximar dos social-democratas, a 10 de março. Aí a caça será mais grossa e os oportunistas com maior peso.
Como bem recordou André Coelho Lima, um “rioista” que o PSD nunca deveria ter deixado partir, o Chega nasceu dentro do PSD, liderado pelo vereador apadrinhado por Pedro Passos Coelho, mesmo depois de declarações claramente racistas. O movimento “Chega de Rui Rio!” queria derrubar o líder e, já agora, Maló de Abreu, porque achava que não representavam os valores do PSD. Agora vai buscar um deles só para conseguir uns títulos nos jornais.
Não é na mudança de partido que está a falha ética do deputado Maló. Nem sequer na migração para um partido que Coelho Lima acha não ter qualquer ponte de contacto com o PSD e eu acho que tem, infelizmente, várias pontes com parte da sua base militante e eleitoral, ou o rombo não seria tão grande como as sondagens anunciam. O problema é que Maló de Abreu começou por dizer que a notícia do convite do Chega era “baixa política” para "enlamear" as razões da sua saída do PSD, fazendo parecer que ele anda “a mudar de camisola todos os dias”. E que se esse convite existisse diria que não, “à partida e à chegada”. Nove dias depois confirmou-se que era candidato do Chega. Começa a sua carreira cumprindo uma espécie de ritual iniciático daquele partido: com uma mentira.
3. A fraude do PPM
Se Pedro Santana Lopes foi a presença inusitada (mas celebrada pela imprensa, que adora o vazio da figura) na convenção da AD e Maló de Abreu uma partida indiferente, o PPM foi uma ausência aceite com bonomia piadética mas politicamente inaceitável. Uma convenção de uma coligação de três partidos não pode ter dois partidos presentes sem anunciar a sua própria fraude.
O PPM teve 260 votos nas últimas eleições. Não vale rigorosamente nada. Só está na AD porque tinha direitos de autor sobre a marca. Ora, fazer uma coligação por direitos de imagem, só porque não se quer renovar a PàF, não é politicamente sério. Mas sendo feito, não se pode fingir que não aconteceu.
O PPM foi, com PPV/CDC (nascido de movimentos mais radicais contra a descriminalização do aborto), entretanto absorvido pelo Chega, a barriga de aluguer de André Ventura nas últimas eleições europeias. O problema não é Gonçalo da Câmara Pereira defender a saída de Portugal da União Europeia. Está divorciado das convicções da AD, mas é uma posição politicamente legitima. O problema é já ter defendido, num programa de televisão, a legitimidade da violência doméstica em caso de adultério. Não há como tratar isto como comédia.
Não interessa se o líder do PPM está ou não em lugar elegível. Ou a política é uma anedota, ou uma coligação com este senhor é inaceitável. Que solução têm PSD e CDS para resolver o problema? Não deixar o líder do partido a quem deram lugar na coligação falar em público. Que ele aceite, não me espanta. Mas como é que isto pode ser ética e politicamente aceitável? Como é que uma fraude política assumida passa o crivo de mínimos de exigência?
A oposição política baseada numa suposta superioridade moral, em que a direita aposta desde José Sócrates, tem servido para esconder o seu programa político, quase sempre antipopular e impopular. De tal forma assim é que a AD pôs cartazes na rua, referindo a “corrupção e falta de ética”, no dia em que, azar dos azares, o PSD Madeira se via envolvido num caso aparentemente mais evidente do que o processo “Influencer”. Tratarei da ironia deste timing e dos perigos de mais um processo de espetacularização da justiça no meu texto de amanhã. É só mais um exemplo de como esta estratégia só não tem efeitos boomerang para os políticos “teflon", a que nada cola. As cópias, a quem os eleitores impõem as velhas exigências éticas, não podem seguir este caminho sem sofrerem consequências.