Opinião

Perspetivas sombrias para 2024

O Mundo já é um lugar suficientemente perigoso por força das práticas a que as ditaduras obedecem por natureza. Mas sê-lo-á, ainda mais, se as democracias não forem capazes de, na prática, concretizar os valores da superioridade moral e da afirmação do interesse público em que assentam

Cada novo ano traz, naturalmente, o desejo de que o futuro que se inicia seja melhor do que o passado que se encerra. Infelizmente, a história recente não tem sido assim. Em 2020 e 2021, o Mundo foi afectado pela primeira pandemia em mais de 100 anos. Em 2022, quando a normalidade parecia poder instalar-se, a Rússia invadiu a Ucrânia, gerando, ente muitos outros aspectos, a maior crise inflacionista dos últimos trinta anos. Em Outubro do ano que agora findou, o ataque do Hamas deu origem a um conflito com Israel que atinge uma dimensão que há muito se não via e cujas repercussões, quase três meses decorridos, continuam incertas.

Os acontecimentos que referi são, apenas, os mediaticamente mais impressivos. De facto, muitos outros poderiam ser citados: os receios gerados pela crise climática (que em nada são diminuídos com o acordo para o abandono dos combustíveis fósseis, que mais não é do que um anúncio pífio, destituído de conteúdo concreto), o recuo das democracias e o correspondente aumento dos regimes totalitários e autocráticos, o incremento da violência política e a escalada de conflitos armados, o crescimento da vaga de refugiados e de deslocados, que atingiu valores recorde.

Mais grave do que isso tudo, porém, é a circunstância de as perspectivas para 2024 não se apresentarem, de todo em todo, animadoras. Bem pelo contrário.

No dia 5 de Novembro, os Estados Unidos da América serão chamados a eleger o seu novo Presidente. Todas as sondagens confirmam a real possibilidade de Trump poder regressar à Casa Branca. E, se o seu primeiro mandato já foi mau, observando o agravamento da retórica extremista do próprio e do Partido Republicano, tudo indica que um eventual segundo seria catastrófico.

Também na Europa o nível de relevância do populismo à direita tem progredido exponencialmente – França, Itália, Suécia, Países Baixos, Polónia, Hungria e, até, Portugal, são disso exemplos notórios. E as eleições europeias de Junho arriscam-se a evidenciar, nessa matéria, um pico até agora nunca atingido.

Na Ucrânia, o perigo de um revés na guerra é real, sobretudo se a Europa e os Estados Unidos vacilarem na continuação do apoio maciço que, até agora, têm concedido (o que, desgraçadamente, não é implausível). E não é impossível, também, que, ao nível da opinião pública, se comece a instalar alguma indiferença quanto ao desfecho do conflito.

Como tantas vezes sucede, o tempo parece correr em benefício do infractor. E, se o infractor – leia-se, Putin – viesse a ter sucesso, as sequelas para a estabilidade, tanto regional, quanto global, seriam dramáticas.

No Médio Oriente, a situação é explosiva. O Irão acentuará, seguramente, a sua posição como principal fonte de instabilidade e de apoio ao terrorismo. E, em Israel, o objectivo primeiro de Netanyahu – a sua própria sobrevivência política – tenderá a sobrepor-se a qualquer preocupação de procura da paz (que, como todos sabemos, sempre tentou dinamitar ao longo da sua carreira política, fosse no poder ou na oposição).

Por fim (porque o espaço é curto), na China, Xi Jinping, por certo, prosseguirá a via de fazer do país a principal potência revisionista, empenhada em destruir uma ordem internacional global baseada em valores, em princípios e em regras. E nada indica, noutro plano, que seja capaz de (ou queira) inverter, em tempo útil, uma estrutura de produção económica que continua baseada no carvão e na consequente emissão de carbono.

E quanto a Portugal?

2023 trouxe uma crise política inesperada, um agravamento significativo das condições de vida, uma continuada degradação dos serviços públicos, o crescimento da pobreza. E, para 2024, o panorama é desafiante (para ser simpático).

Desde logo, porque todas as previsões apontam para uma diminuição do crescimento económico. Porque a inércia governativa dos últimos oito anos (quando não a incapacidade e a incompetência) deu lugar a um estado de coisas em que o tempo objectivamente corre contra nós. E porque é incerto que, das eleições de 10 de Março, possa sair um Executivo com a força parlamentar necessária para fazer aquilo que tem (mesmo) de ser feito (ou, sequer, com essa vontade).

Na sua mensagem de Ano Novo, o Presidente da República recordou uma frase que ficou célebre após o 25 de Abril: o povo é quem mais ordena.

É importante que o tenha feito. Mas, evidentemente, o princípio não é válido, apenas, para Portugal. É-o, por natureza, para todos os regimes democráticos, porquanto constitui um dos seus princípios basilares.

Só que, por detrás dele, não se encontra, apenas, a ideia, necessariamente redutora, de que devem governar aqueles que o povo escolhe. Muito para além disso, em causa está, também, a necessidade de respeitar, no dia-a-dia governativo, as preocupações que são manifestadas, os desejos que são afirmados, as angústias que são reveladas.

É isso, precisamente, que tem falhado, um pouco por todo o lado. E é a desesperança que, por força da inabilidade dos políticos, se vem instalando, que tem conduzido ao recuo das democracias a que acima aludi, seja na modalidade de abandono real desse modelo, seja na modalidade de crescimento das forças que, de modo assumido ou dissimulado, têm na sua supressão o propósito último.

O Mundo já é um lugar suficientemente perigoso por força das práticas a que as ditaduras obedecem por natureza. Mas sê-lo-á, ainda mais, se as democracias não forem capazes de, na prática, concretizar os valores da superioridade moral e da afirmação do interesse público em que assentam.

A minha esperança é que, em 2024, a democracia seja capaz de começar a inverter esta situação. E de demonstrar, como dizia Winston Churchill, que é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros.