Opinião

Um secretário-geral do PS com chão e horizonte

Pedro Nuno Santos tem as condições para ganhar as eleições do próximo dia 10 de março e cumprir o inspirador lema da sua campanha: Portugal Inteiro, o qual transporta o anelo de sarar as fraturas territoriais e sociais, geracionais e laborais. Mas Portugal inteiro já não é apenas aquele que cabe inteiro nas suas fronteiras. Nos próximos tempos, o novo secretário-geral do PS irá conjugar abundantemente a palavra Europa

Até ao dia 31 de Dezembro, o PS sopra as velas dos seus cinquenta anos contados a partir da fundação, no exílio, em 1973. Nesse meio século, o partido teve oito secretários-gerais. O nono, Pedro Nuno Santos, eleito no passado sábado, nasceria quatro anos depois do Congresso fundador de Bad Munstereifel. Se juventude “é tempo não é virtude”, parafraseando um verso de Alexandre O’Neill, o tempo dela compõe-se menos de passado que de futuro. Todavia, alguns comentadores foram lestos a depreciar o discurso do novo líder do PS na noite da eleição, incomodados com a sua juventude e indocilidade. De tanto digerirem vociferações estéreis e discursos previsíveis, terão ficado insensíveis a qualquer alocução que apele à ideia de comunidade ou de reciprocidade, que procure contagiar o indivíduo para a vida social. Terão de se habituar às palavras fortes de um líder inteiro nas suas convicções e na sua frontalidade. O programa eleitoral virá no tempo próprio.

Sem desfocar o chão construído nos últimos anos, o novo secretário-geral procurará focar com renovada nitidez um horizonte de progresso social e económico que a convalescença da austeridade e da pandemia, e depois a crise inflacionária e energética, tinham enevoado. Acelerada por estas mudanças, a história recente deu vertigens. Felizmente, tivemos em António Costa um sólido esteio. Mais que o reformista que a conjuntura interna e externa raramente deixou ser, o ainda Primeiro-ministro conseguiu equilíbrios que pareciam inatingíveis: entre o PS e os partidos à sua esquerda, entre investimento e consolidação, expansão e rigor, iniciativa e prudência. Não há melhor prova desse legado do que a presente acalmia económica e social num contexto de crise política e de eleições antecipadas. Pedro Nuno Santos já disse ao que vem: o equilíbrio não é para romper mas para manter, por ser um princípio estruturante do PS e não uma meta circunstancial.

Mas o líder do PS tem razão quando recusa uma abordagem meramente defensiva do Estado Social. Se a democracia é a casa do povo, ele sabe que o Estado social é a pedra-angular dessa casa. Ele não ignora as suas escoriações e patologias: na educação, na saúde, na habitação. Problemas similares, ou mesmo idênticos, verificam-se na maioria dos países europeus, inclusive em alguns dos mais prósperos. Vivemos uma crise do modelo social europeu e é por isso na frente europeia que as soluções também se devem procurar.

Pedro Nuno Santos tem as condições para ganhar as eleições do próximo dia 10 de março e cumprir o inspirador lema da sua campanha: Portugal Inteiro, o qual transporta o anelo de sarar as fraturas territoriais e sociais, geracionais e laborais. Mas Portugal inteiro já não é apenas aquele que cabe inteiro nas suas fronteiras. Nos próximos tempos, o novo secretário-geral do PS irá conjugar abundantemente a palavra Europa. Os portugueses sabem que o futuro do país tem como pano de fundo a construção europeia. A União é a âncora nas águas tumultuosas da globalização, é o quadro intransponível da nossa segurança, da nossa transição ecológica e da nossa reindustrialização; é, apesar dos retrocessos, o viveiro mais pujante da experiência democrática no mundo. A Europa amplifica a nossa soberania porque a torna atuante além-fronteiras. Mais do que isso, ela é o antídoto do nacionalismo e do egoísmo territorial que o sustenta. É essa Europa que a direita tradicional atraiçoa quando, na Itália, na Finlândia, na Suécia – e sabe-se lá onde mais nos próximos tempos – dá a mão à extrema-direita que descende das forças que destruíram o continente por duas vezes.

Quem, melhor que um socialismo europeu reencontrado consigo mesmo, poderá combater essa ameaça? Doravante, a família dos socialistas europeus contará com o empenho de Pedro Nuno Santos para puxar pela dimensão social da União e enfatizar os objetivos do “progresso social” e do “pleno emprego” inscritos no Tratado de Lisboa. A União Europeia é a utopia que nos resta.

As clivagens ideológicas ajudam-nos a enquadrar o debate político, providenciam um enredo orientador, um fio narrativo. Mas, como lembrou Pedro Nuno Santos no dia da sua vitória, as pessoas não ocupam os serões a debater a magna disputa entre a esquerda e a direita. Querem soluções e querem-nas equilibradas. No fundo, querem essa exigente conjugação de prudência e arrojo que é o timbre de todos os verdadeiros reformistas. O talento providencial de Mário Soares foi o de perceber precocemente que a retórica esquerdista era inconsequente e que era com pragmatismo que o país podia sair do seu atraso e do seu isolamento. A sua moderação consistiu em adaptar o ideário do PS não a um qualquer amanhã cantante mas à realidade do país, modelando o programa do partido para que este correspondesse à leitura que em cada momento fazia do superior interesse nacional, na intersecção da democracia liberal com a democracia social. Pedro Nuno Santos seguirá igual caminho.

Que o novo secretário-geral do PS queira salientar que o indivíduo também se cumpre no comum, que prefira acentuar a ideia de uma liberdade social em vez de uma liberdade egoísta, possessiva e inconsciente, como a que defendem outros partidos, é uma lufada de ar fresco que remove do ambiente, ao menos por um instante, o bafio do laissez-faire e a náusea do radicalismo individualista.