Opinião

Deixem o Brexit em paz

O Reino Unido não vai regressar à União Europeia. Mas da China à Ucrânia, de Trump às migrações, na segurança, defesa e NATO, os problemas, preocupações e soluções são idênticos para Bruxelas e Londres. Aproximem-se

Alguma imprensa britânica, e quase toda a europeia, entusiasma-se de cada vez que um estudo indica que se o referendo do Brexit fosse hoje o resultado seria diferente, que se houvesse um referendo para fazer um Brexin o resultado seria positivo ou mesmo que quem votou leave é menos inteligente (houve um estudo, sim). Tudo isso é interessante, mas irrelevante. O Reino Unido (RU) não está nem estará de volta à União Europeia (EU) em breve. Mas Bruxelas e Londres têm interesses fundamentais em comum. E isso, sim, pode e deve ser consequente.

Um estudo do think-tank British Future, divulgado a semana passada, encheu de alegria os remainers no Reino Unido, e os despeitados na Europa da União Europeia, que são uma mistura entre os que lamentam a saída e os que sempre quiseram que o Reino Unido saísse mas agora querem que eles se arrependam de ter saído e peçam por favor para voltar.

Segundo o estudo, 52% dos britânicos querem uma relação mais estreita com a União Europeia, 45% dizem que o Reino Unido fez mal em sair, e só 36% é que acham que fez bem.

No Financial Times deste fim de semana, Martin Wolf também nota que o National Cetre for Social Research verificou que em média as últimas seis sondagens são favoráveis ao eventual rejoin por uma média de 56% e que um outro estudo, de Setembro, diz que 18% dos que votaram para sair estão convencidos de que o Brexit correu mal ou mesmo muito mal.

Tudo isto pode parecer indicar que o Desbrexit, Brexin ou Rejoin está ao virar da esquina, mas, como também diz Martin Wolf, não está. Antes de grandes entusiasmos, convém recordar que muitas sondagens antes do referendo também diziam que o “ficar” ia ganhar. Mas há mais razões.

É natural que o Brexit tenha má fama agora. Como qualquer política implementada depois de mil promessas, a desilusão é inevitável. O NHS, o SNS britânico, ia ficar fantástico com o dinheiro que o Reino Unido mandava para a Europa e deixaria de mandar. Não ficou. Mas essa desilusão com o Brexit não se confunde com arrependimento.

O que é ainda mais evidente é a exaustão do tema. Durante quase sete anos, entre o referendo de 2016 e o Windsor Framework Agreement, de 2023, a política britânica quase não foi sobre outra coisa. É impossível governar, ou querer governar, preso a esta discussão. Além disso, o tema é praticamente tão divisivo entre os eleitores trabalhistas como entre os conservadores, o que o torna pouco útil ou desejável para confrontos eleitorais. Não é a prometer desfazer o Brexit que o Labour vai ganhar as próximas eleições. E, além do mais, se e quando pedisse para regressar, o Reino Unido iria certamente perder direitos que tinha antes de sair, os opting-outs. Quando os indecisos sobre o tema vissem isso eram bem capazes de não querer regressar.

Mas os britânicos têm, de facto, indicado querer uma relação próxima com a União Europeia. E têm estado a construi-la com Bruxelas. Voltaram ao Horizonte Europa, adiou-se a entrada em vigor de tarifas, evitam-se outros bloqueios que a saída promovia, Cameron regressou ao governo e Londres é uma grande entusiasta da Comunidade Política Europeia. Mais importante, porém, é que os grandes problemas da União Europeia e do Reino Unido são os mesmos. E as soluções são melhores se forem conjuntas.

A agressividade e assertividade política, comercial e económica da China deve levantar os mesmos problemas e preocupações em Londres ou Bruxelas. A importância de apoiar a Ucrânia e o risco da sua derrota é percebido da mesma maneira em Londres e na cabeça da maioria dos políticos europeus. Quanto à NATO, também. Os europeus sabem que têm de ser mais responsáveis pela sua segurança, mas não o querem fazer nem fora nem contra a Aliança Atlântica. Os britânicos, idem. E a defesa da Europa ganha tudo em ser pensada com o Reino Unido. Finalmente, sobre os Estados Unidos, só na cabeça de Boris Johnson e de alguns tories deslumbrados com o seu anti-europeísmo é que o regresso de Trump seria uma boa ideia. Para todos os outros, a realidade mostra que os Estados Unidos não dão mais importância ao Reino Unido do que à União Europeia. E quando Trump dá, não é por boas razões.

Em vez de perder tempo com saudosismos, sadismos ou masoquismos, britânicos e europeus precisam de decidir aproximar-se o mais possível. Londres e Bruxelas precisam de organizar cimeiras bilaterais regulares e agir em comum no que lhes interessa, que é muito. E depois, talvez uma relação muito próxima, mas sem adesão, possa ser uma caminho para algumas relações futuras com outros vizinhos que não possam, não queiramos deixar ou não queiram entrar.