A Comissão Técnica Independente nomeada pelo Governo PS após acordo PS/PSD sobre a metodologia para decidir a localização do futuro Aeroporto de Lisboa, apresentou as suas conclusões, que confirmam que a zona do campo de tiro de Alcochete é o local mais adequado para a construção do novo aeroporto. Não é uma decisão surpreendente. Essa opção estava estudada, acordada e consensualizada em 2013, até ao momento em que o Governo PSD/CDS decidiu privatizar a ANA e entregar o presente e o futuro dos aeroportos nacionais nas mãos da multinacional Vinci.
A privatização da ANA e a sua entrega à Vinci por decisão do Governo PSD/CDS em 2012 é mais um dos enormes escândalos de entrega dos interesses nacionais nas mãos dos interesses do grande capital transnacional e de promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Quando vemos o antigo Ministro Adjunto de Durão Barroso e atual CEO da ANA na primeira fila do Congresso do PSD ainda há poucos dias, ficamos sem quaisquer dúvidas sobre a posição que o PSD vai tomar relativamente à localização do futuro aeroporto.
A gestão dos aeroportos portugueses por parte da ANA tem sido alvo de críticas generalizadas, da parte dos utentes, dos trabalhadores, das companhias aéreas (que se queixam de aumentos lesivos de taxas aeroportuárias decididos unilateralmente) e até do extinto SEF (cujo Sindicato acusou a ANA de pôr em causa a segurança dos aeroportos com a sua transformação em centros comerciais). O mais grave, porém, é que a Vinci ficou dona dos aeroportos nacionais e pretende que a solução a encontrar para a localização do futuro aeroporto de Lisboa seja a mais favorável para os seus interesses económicos. A esse respeito, a ANA nunca escondeu que a solução mais rápida e que mais barato lhe fica é a localização no Montijo.
A necessidade da construção do aeroporto de Lisboa fora do perímetro urbano da capital é inquestionável há décadas. A integração desse investimento com outros investimentos estruturais em matéria de acessibilidades, como a terceira travessia do Tejo e o comboio de alta velocidade é também inquestionável se quisermos superar o atraso que o nosso país regista em matéria de acessibilidades.
A posição manifestada pela ANA e pelos opinantes que, ao seu serviço, procuram descredibilizar as conclusões da comissão técnica independente, centram-se, à falta de melhores argumentos, na ideia de que “não há dinheiro”. A construção em Alcochete, dizem, seria muito boa para o futuro, mas não nos podemos dar a esse luxo. Precisamos de uma solução rápida e mais barata. Sucede que, entre a solução mais barata para a Vinci e a solução melhor para superar o atraso nacional em matéria de acessibilidades, não vejo onde está a dúvida. E acho mesmo insólito que os mesmos opinantes que há poucos anos consideraram inevitável que os contribuintes pagassem o descalabro dos bancos em montantes que chegavam para construir vários aeroportos e para isso tinha de haver dinheiro, considerem agora que não há dinheiro quando se trata de realizar investimentos estruturantes para o futuro do país.
E quando se diz que é inviável construir o aeroporto na zona do campo de tiro de Alcochete porque isso pressupõe a terceira travessia do Tejo e o comboio de alta velocidade e somam os custos dos três investimentos, já estamos no domínio da desonestidade intelectual, na medida em que cada um desses investimentos se justifica plenamente só por si. Será que não se justifica o comboio de alta velocidade se não houver novo aeroporto? E não se justifica a terceira travessia rodo-ferroviária do Tejo se não houver novo aeroporto? E um futuro aeroporto não precisa de ligações ferroviárias?
Tal como o futuro aeroporto, a terceira travessia do Tejo está decidida há muitos anos, foi consensualizada na Área Metropolitana de Lisboa como prioridade, tem localização escolhida entre Chelas e o Barreiro e está prevista nos diferentes Planos Diretores Municipais. Tal como o futuro aeroporto, a ligação de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto e entre Lisboa e Madrid são prioridades nacionais há mais de 20 anos.
O facto é que, de adiamento em adiamento, estes investimentos não avançam. A decisão de António Costa foi entregar a decisão nas mãos do PSD, fazendo-a depender de um consenso entre ambos os partidos quanto à metodologia. Cumprida a metodologia, como as conclusões não agradaram ao PSD, este pretende outra, e o Governo PS já demitido, nada decide.
A questão fica por decidir por um próximo Governo. Já se percebeu que a coincidência entre a posição do PSD e a da ANA não será mera coincidência. E a posição do PS não se percebe qual é.
Entretanto, a construção do aeroporto continuará a ser adiada até que se ouça no país um grito de alma: construam-no, p…a!