Opinião

Pobreza

A pobreza é a negação do bem-estar. Porque obstaculiza a plena realização pessoal. Porque dificulta a concretização da igualdade de oportunidades. E, acima de tudo, porque põe em causa o fundamental princípio da dignidade humana

Uma das principais funções de um Estado de Direito Democrático é fomentar o bem-estar económico e social. E, naturalmente, a nossa Constituição assume essa prioridade. Fá-lo, por exemplo, no artigo 9.º, quando alude à promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo e da igualdade real entre os Portugueses ou no artigo 81.º, quando renova a referência ao aumento do bem-estar económico e da qualidade de vida das pessoas.

Creio que ninguém discordará que a pobreza é a negação do bem-estar. Porque obstaculiza a plena realização pessoal. Porque dificulta a concretização da igualdade de oportunidades. E, acima de tudo, porque põe em causa o fundamental princípio da dignidade humana.

Na passada semana, o Instituto Nacional de Estatística tornou público o seu relatório anual sobre a taxa de risco de pobreza. Surpreendentemente, porém, a repercussão pública do documento tem sido muito limitada. E digo surpreendentemente por duas razões: porque os dados apurados são demasiado sérios para não motivarem, de imediato, manifestações de fundada preocupação e porque vivemos num ambiente pré-eleitoral em que o tema deveria ser motivo de vivo debate.

Olhemos, pois, atentamente, para alguns dos principais dados constantes do citado documento.

A taxa de risco de pobreza correspondia, em 2022, aos habitantes com rendimento líquido inferior a 591 euros por mês.

Se tivéssemos em conta, apenas, os rendimentos do trabalho, de capital e de transferências privadas, 41,8% da população residente estaria, naquele ano, em risco de pobreza. A taxa diminui para 21,2% com inclusão dos rendimentos provenientes das pensões de reforma e sobrevivência. Após transferências sociais, o valor decresce para 17%. E isso significa que o risco de pobreza aumentou 0,6 pontos percentuais face a 2021.

Tal aumento fez-se sentir em todos os grupos sociais. Mais foi mais significativo entre os menores de 18 anos (mais 2,2 pontos percentuais), entre as mulheres (mais 0,9 pontos percentuais) e na população desempregada (mais 3 pontos percentuais).

Por outro lado, se observarmos os três principais indicadores de desigualdade na distribuição de rendimentos, é notório que a sociedade portuguesa se tornou mais assimétrica.

Assim, o coeficiente de Gini (que tem em conta toda a distribuição de rendimentos) agravou-se, entre 2021 e 2022, de 32,0% para 33,7%. O ratio S80/S20 (que compara a

soma do rendimento dos 20% mais ricos com o dos 20% mais pobres) subiu de 5,1% para 5,6%. E o ratio S90/S10 (que coteja o rendimento dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres) passou de 8,4% para 9,7%.

Por último, cresceram igualmente os índices que evidenciam o grau de privação material e social.

Com efeito, de acordo com a informação recolhida entre Abril e Julho de 2023, 39,8% das pessoas vivem em agregados sem capacidade financeira para substituir mobiliário usado (eram 36,3% em 2022); 38,9% vivem em agregados familiares sem capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa (eram 37,2% em 2022); 30,5% vivem em agregados sem capacidade para pagar uma despesa inesperada próxima do valor mensal da linha de pobreza (eram 29,9% em 2022); 20,8% vivem em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida (eram 17,5% em 2022).

As estatísticas são, em si mesmas, muito significativas. Mas, por detrás da frieza dos números, estão milhões de pessoas. Que sofrem. Que enfrentam dificuldades. Que tantas vezes já abandonaram a esperança de uma vida decente. Que sentem que a sociedade lhes falha todos os dias. E quem diz sociedade diz também, e por maioria de razão, o Estado. E, neste, antes do mais, os que assumem a responsabilidade da governação.

Segundo dados fornecidos pelo Banco de Portugal, que o Expresso publicou em Abril passado, o nosso País recebeu, desde 1986, mais de 157 mil milhões de euros de fundos europeus.

Como é possível, pois, encontrarmo-nos, trinta e sete anos depois, numa situação destas? Que sociedade é esta que construímos, que deixa tantos para trás? Para que servem tantas infraestruturas edificadas, se quase 42% da população estaria no limiar da pobreza se só dependesse dos rendimentos próprios? Onde está a modernidade que se apregoa, se 17% da população se encontra nesse limiar, mesmo após receber subsídios sociais? E que utilidade têm as contas públicas certas, se são alcançadas á custa de não dar respostas a quem delas mais necessita?

Os socialistas que nos governaram em 21 dos últimos 28 anos apregoam ser os verdadeiros campeões da justiça social e da defesa dos mais pobres e desprotegidos. Mas a realidade dos factos no que á pobreza respeita desmente essas afirmações.

Como o desmente a situação de um SNS em ruptura, que obrigou mais de 3,5 milhões de Portugueses a destinarem parte dos seus rendimentos à celebração de seguros de saúde (tantas vezes sabe-se lá à custa de que privações).

Como o desmente a degradação do sistema de ensino, que, de acordo com o relatório Pisa 2022, se deteriorou significativamente quando comparado com 2012, pois que a

capacidade de os jovens de 15 anos utilizarem os seus conhecimentos e competências em leitura, matemática e ciências desceu 12.8 pontos na primeira, 14.6 pontos na segunda e 7.3 pontos nas terceiras.

Em 10 de Março é também tudo isto que estará em julgamento. E confio que os eleitores saberão distinguir os factos concretos da realidade alternativa que os socialistas insistem em apregoar.