Opinião

O orçamento eleitoral

Um Orçamento do Estado aprovado por uma maioria absoluta a menos de três meses das eleições bem podia ser enviado ao Tribunal Constitucional como anexo às contas de campanha eleitoral do PS

A leitura criativa que o Presidente da República fez da Constituição ao protelar os efeitos da demissão do primeiro-ministro para permitir a aprovação do Orçamento do Estado e a decisão de dissolução da Assembleia da República (AR) de modo a que as eleições antecipadas não tivessem lugar nos 55 dias seguintes à dissolução, como manda a Lei Eleitoral, mas na data que o próprio Presidente entendeu por bem, criou uma situação institucional insólita que permite ao PS utilizar o Orçamento do Estado como uma peça relevante da sua campanha eleitoral.

Quando os calendários eleitorais decorrem com normalidade e as eleições legislativas têm lugar em outubro, compete ao Governo resultante das eleições preparar a sua proposta de Orçamento do Estado a apresentar à Assembleia da República, o que ocorre em data próxima do fim do ano civil ou mesmo no início do ano seguinte, como aconteceu quando Cavaco Silva se recusou a indigitar António Costa como primeiro-ministro e fez com que o Orçamento para 2016 só tenha sido publicado em 30 de março, ficando o país a duodécimos até lá chegar.

Quando em 2021 foi rejeitada na generalidade a proposta de lei de Orçamento do Estado para 2022 o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa permitiu ao Governo pra abdicar da possibilidade constitucionalmente prevista de apresentar nova proposta e decidiu convocar eleições para fevereiro, o que fez com que o Orçamento do Estado para 2022 só tenha sido publicado em 27 de junho, tendo o país ficado a duodécimos durante seis meses.

Desta vez o Presidente teve muita pressa em ter o Orçamento aprovado, e em vez de fazer publicar o decreto de demissão do primeiro-ministro na data da aceitação, a 7 de novembro, e de convocar as eleições antecipadas para até 55 dias depois da decisão de dissolução tomada após a reunião do Conselho de Estado de 9 de novembro, fez o que sabemos: um Governo com demissão anunciada mas em efetividade de funções até meados de dezembro e uma AR com dissolução anunciada mas na plenitude das suas funções até meados de janeiro.

As consequências deste estado de coisas na discussão e aprovação do Orçamento do Estado para 2024 conduziram à situação bizarra a que temos vindo a assistir.

Perante uma proposta de Orçamento do Estado que já tinha recebido o apoio do patronato, os partidos da direita centraram o seu discurso quase exclusivamente na crítica ao aumento do IUC para os carros anteriores a 2007, como se fosse essa a magna questão da proposta governamental e, tomada a decisão de dissolução da AR, assumiram a posição, um tanto bizarra, de concordar que o Orçamento deveria ser aprovado, apesar dos seus votos contra, como que aceitando que, se fossem para o Governo, não se importariam de executar este mesmo Orçamento ainda que com um Orçamento retificativo sabe-se lá de quê.

Já o Partido Socialista não deixou de aproveitar em cheio a oportunidade rara que lhe foi dada de usar a sua maioria absoluta para aprovar um Orçamento do Estado a menos de três meses das eleições e com o seu Governo em plenitude de funções.

O Governo aproveita o espaço de tempo que lhe foi dado para fazer uma intensa campanha de anúncios de investimentos futuros para fazer esquecer a falta de investimentos no presente e usa o Conselho de Ministro para aprovar em contrarrelógio todo o eleitoralismo de que se lembrar.

Já o PS, no debate orçamental, começou logo por retirar a proposta do IUC, fazendo com que os partidos da direita se tenham visto obrigados a trocar a crítica da medida por ser injusta pela crítica da retirada por ser eleitoralista.

Depois, usa a maioria de que dispõe para fazer o que era previsível: aprovar algumas propostas vindas das oposições, desde que não tenham impacto orçamental, e aprovar propostas suas para correções, tanto quanto possível cosméticas, a pensar na proximidade das eleições.

O Orçamento do Estado que a AR vai aprovar esta semana, mais do que o Orçamento do Estado para 2024, é o Orçamento da campanha eleitoral do PS para as eleições de março.