Opinião

Dermatite atópica: a urgência da equidade no acesso ao tratamento

Torna-se surpreendente saber que os medicamentos mais eficazes e seguros para o tratamento da dermatite atópica, recentemente aprovados, apenas podem ser prescritos e dispensados no SNS

A dermite atópica (DA) é uma doença inflamatória crónica, habitualmente com início precoce e de muito longa duração, que se caracteriza por crises recorrentes de eczema. O seu espectro de gravidade é vasto, desde casos ligeiros e facilmente controláveis até casos de uma gravidade catastrófica que obrigam a incontáveis idas às urgências hospitalares e a vários internamentos. Estima-se que, em Portugal, haja cerca de 70 mil doentes com DA classificada como moderada a grave.

Durante as crises de eczema e inflamação cutânea, os doentes sofrem de grande desconforto causado por extensas manchas ou placas vermelhas na pele, com comichão intensa, que os podem levar a coçar até fazerem feridas sangrantes. As lesões mais graves causam dor e sensação de ardor na pele, e perda de elasticidade, dificultando os movimentos, o que torna quase impossível ter uma vida normal. Deste modo, actividades simples tornam-se desafiantes ou impossíveis, como dormir, praticar desporto, tomar duche, ir à praia, ou até mesmo vestir certos tipos de roupas.

No casos graves, o impacto na qualidade de vida é devastador. Estudos que avaliam o impacto na qualidade de vida de várias doenças reconhecidamente muito graves, através de escalas validadas e utilizadas consensualmente em publicações médicas, mostram que o impacto da DA grave na qualidade de vida, em crianças, é superior ao impacto causado pela diabetes, asma ou epilepsia. Naturalmente, todos estes constrangimentos, privação de sono e sofrimento crónico podem afectar seriamente a saúde mental, levando a estados de ansiedade e depressão. Também o impacto social e profissional é significativo, pois implica estigmatização social, consumo de serviços médicos, absentismo laboral, perda de oportunidades profissionais, perdas financeiras pessoais e custos sociais.

Quando se trata de crianças pequenas, há ainda que considerar os frequentes sentimentos de culpa dos cuidadores, em regra as mães, que se recriminam por julgarem que as crises de agravamento resultam de algum erro por elas cometido.

Não é de admirar, portanto, que os doentes/ cuidadores recorram a todos os meios ao seu alcance para tentarem controlar os sintomas. Num sistema de saúde em que o acesso ao médico de família não é fácil e o acesso ao especialista em Dermatologia é extremamente difícil, apenas cerca de 30% dos doentes com DA são seguidos exclusivamente no SNS. Amaioria dos doentes é seguida em acumulação no sistema público e no sistema privado, referindo que o faz porque no sistema privado consegue ter menor tempo de espera e pode escolher o médico. Esta complementaridade é útil para os doentes mas também é útil para o sistema público, que ficaria muito sobrecarregado se tivesse de assegurar todas as consultas de que os doentes com doença moderada a grave necessitam (cerca de 3-4 por ano). Isto consumiria, apenas com esta doença, cerca de 68% de toda a capacidade instalada, segundo estudo recentemente publicado.

Considerando tudo o que foi exposto, torna-se surpreendente saber que os medicamentos mais eficazes e seguros para o tratamento da DA, recentemente aprovados, apenas podem ser prescritos e dispensados no SNS. Explicando: se um doente com DA muito grave é seguido desde há anos por um excelente dermatologista, numa clínica privada, da sua escolha, com quem estabeleceu uma relação de confiança e que conhece toda a sua história clínica, esse doente terá de ser transferido para um hospital do SNS, para um médico que nunca o viu e não o conhece, para que possa ter acesso ao novo medicamento que lhe pode melhorar a qualidade de vida. Este procedimento é, na prática, uma barreira ao acesso; vai fazer o doente esperar vários meses pela consulta hospitalar, vai sobrecarregar ainda mais os serviços hospitalares e constitui uma forma de discriminação entre cidadãos e uma limitação à sua liberdade de escolher onde e por quem desejam ser tratados. E convém lembrar que a distribuição de serviços de Dermatologia no território português é muito irregular, havendo distritos sem um único dermatologista no SNS...

Havendo já o exemplo da Portaria 48/2016 que regulamenta a dispensa de medicamentos biotecnológicos para os doentes com Psoríase (entre outras), permitindo a sua prescrição em sistema de saúde privado, pareceria lógico e aparentemente fácil adoptar uma solução do mesmo tipo para os doentes com DA. Assim se conseguiria melhorar o acesso e a equidade e melhorar a qualidade de vida de centenas de doentes.

Esta é uma época de esperança para os doentes com DA, pois cada vez surgem mais opções terapêuticas prometedoras. Esperemos que também em Portugal essas esperanças se possam concretizar.