Opinião

Desunião Europeia

Os países da União Europeia preocuparam-se mais em exibir as suas posições vincadas do que sinalizar onde tinham um moderado acordo, porque reconheciam interesses, objetivos e preocupações comuns. Escolheram falar para dentro e para as suas diferentes prioridades internacionais, em vez de falar menos, mas em acordo

Depois de passar vários dias e horas a negociar ao detalhe a frase que o Conselho Europeu utilizaria para se referir à guerra entre o Hamas e Israel, no seu comunicado, os Estados membros da União Europeia chegaram às Nações Unidas e votaram cada um de sua maneira a proposta de resolução apresentada pela Jordânia. Tanto trabalho para nada.

Nas conclusões do Conselho Europeu, a União Europeia concordou defender “corredores humanitários e pausas” (ser plural foi uma das questões debatidas) e uma futura conferência de paz sobre o futuro da região (uma boa ideia da Espanha de Pedro Sánchez, a presidência de turno do Conselho).

Nas Nações Unidas, Portugal, Espanha, França ou Irlanda, entre outros, votaram ao lado da Jordânia, mas também da Rússia e da Turquia. Alemanha e Países Baixos, mas também Suécia e Dinamarca abstiveram-se. Enquanto que a Áustria, a Chéquia ou a Hungria votaram contra a resolução, tal como os Estados Unidos, que votam sempre ao lado de Israel.

O mais relevante disto tudo não é nem o que ficou escrito nas conclusões do Conselho, nem a resolução das Nações Unidas. Na verdade, nem um nem outro texto determinam o que se passa no terreno. Mas ambos têm destinatários e significados. E é aí que a desunião da União Europeia conta. Os países da União Europeia preocuparam-se mais em exibir as suas posições vincadas do que sinalizar onde tinham um moderado acordo, porque reconheciam interesses, objetivos e preocupações comuns. Escolheram falar para dentro e para as suas diferentes prioridades internacionais, em vez de falar menos, mas em acordo.

Já aqui se disse que não é de estranhar que os Estados membros da União Europeia tenham perspetivas e preocupações distintas. Do papel histórico na região, às comunidades dali oriundas que vivem nos diferentes Estados membros, há várias razões para cada país da UE ter ângulos diferentes. De resto, basta ver a polarização sobre o tema nas sociedades europeias (e, agora, também nos Estados Unidos, o que é uma alteração significativa) para compreender que, além dos elementos históricos, geopolíticos e geográficos, também há elementos ideológicos na definição das posições. Tudo isto é conhecido, compreendido e explica as divergências. Mas, se ninguém espera que seja a UE a liderar nesta questão, ainda assim, e tendo em conta o esforço para encontrar uma frase com que todos pudessem concordar – o que ficou escrito nas conclusões dos Conselho – poderiam divergir menos nas Nações Unidas. Para isso, era necessário que as negociações sobre a dita frase correspondessem à procura do denominador comum da União Europeia nesta matéria. À identificação de um interesse comum. Mesmo que mínimo.

É do interesse dos europeus, como é da maioria dos líderes da região (com óbvia exceção do Irão) que o Hamas seja derrotado e que este conflito não alastre. Por isso, reconhecer o direito de defesa de Israel e falar da defesa dos dois Estados é do interesse europeu.

É do interesse dos governos europeus que as populações europeias não acreditem que há – porque não há – uma equivalência moral entre quem escolhe deliberadamente atacar civis de forma ignóbil e quem ataca civis como consequência da sua resposta militar. Pode-se discutir se Israel faz tudo para evitar vítimas civis. Mas é duplamente errado não reconhecer e sublinhar a responsabilidade do Hamas na existência de vítimas civis em Gaza. Porque isso corresponde aos factos, e porque não o dizer permite que tudo o que Israel faça ou fizesse seja considerado ataque a civis e, portanto, ilegítimo. Há, aliás, uma outra questão que nunca é colocada: de todas as vítimas em Gaza, quantas, ou quais, é que são do Hamas? Além das óbvias vítimas civis, que vemos, nunca ouvimos falar deste número. O que permite que todas as baixas do lado de Gaza passem por civis. Mesmo os terroristas.

Pela mesma razão, a importante distinção entre vítimas colaterais e vítimas intencionais, o que se passa na Cisjordânia, por culpa dos residentes nos colonatos e de quem os defende, é inaceitável e tem de ser dura e consequentemente criticado.

É do interesse dos Estados membros da União Europeia que o confronto regional não seja replicado aqui. Seja em posições irreconciliáveis, seja em ataques a qualquer uma das comunidades. Assim como depois dos ataques terroristas feitos na Europa por radicais islâmicos foi importante distinguir os criminosos das populações muçulmanas que vivem pacificamente na Europa, é do interesse dos europeus – além de ser elementar decência – garantir que os judeus na Europa não estão em risco. E isso, neste momento, não está garantido.

É do interesse da União Europeia que se reconheça o seu empenho da genuína defesa dos civis e do apoio humanitário a quem tem de fugir da guerra.

Os países da União Europeia podem ter, e vão certamente continuar a ter, posições diferentes sobre vários aspetos desta questão. Mas há, ou deveria haver, algumas coisas em que concordam. Fariam melhor em procurar esse denominador comum. Não fará da UE uma potência regional decisiva, mas pode ajudar a defender interesses que são comuns aos países da União.