Opinião

Conflito Israelo-Palestiniano: principais obstáculos à paz e paradigmas de resolução históricos

O reacendimento recente do conflito israelo-palestinano, na sequência do ataque do Hamas na madrugada de 7 de outubro, motiva uma revisitação dos principais obstáculos à paz entre israelitas e palestinianos, assim como uma reflexão acerca das propostas de solução para este conflito que já estiveram em cima da mesa ao longo de várias décadas

Parte I - Os obstáculos

Uma reflexão acerca das possíveis soluções para este conflito deve, em primeiro lugar, partir de uma definição clara dos seus principais obstáculos.

1 - A questão fronteiriça coloca em cima da mesa a dúvida que é provavelmente a mais premente no contexto de toda a problemática israelo-palestiniana: que definição exata de fronteiras é a ideal para a promoção da paz nesta região? Um dos argumentos mais célebres é o do restabelecimento das fronteiras pré-1967, isto é, uma junção de territórios palestinianos – por se tratar de um território consideravelmente mais pequeno, a forma mais simples de concretização desta solução seria alocar o território da Faixa de Gaza ao território da Cisjordânia. Num cenário deste tipo, um Estado palestiniano faria fronteira direta com Israel e com a Jordânia. Evidentemente, esta proposta acarreta vários problemas, designadamente ao nível dos colonatos israelitas que, na sua maioria, se situam numa tal posição geográfica que parecem inviabilizar a construção de um futuro Estado palestiniano nestas condições físicas. Num contexto destes, possivelmente, ter-se-ia em conta o fator numérico: será o número de colonatos, e colonos, israelitas superior ao número de palestinianos em Gaza, para que uma solução deste tipo não possa ir avante?

2 – A questão dos refugiados é tão antiga quanto a própria criação do Estado de Israel, em 1948 – um problema, de resto, dela decorrente. E este é provavelmente o mais complexo de todos os obstáculos, exigindo da parte dos agentes internacionais, nomeadamente as Nações Unidas, um cuidado e uma atenção especiais. Década após década, aquilo a que se assiste nesta região é uma sucessão de crises humanitárias de base identitária que, muito possivelmente, uma solução de dois Estados – israelita e palestiniano – ajudaria a cessar. Uma solução deste tipo resolveria a questão de saber onde alocar estes refugiados (palestinianos) desde o pós-1948 até à atualidade.

3 – A questão de Jerusalém, cidade sagrada e reclamada por judeus e islâmicos, não permite sugerir com facilidade uma solução de divisão territorial e/ou administrativa. Por um lado, porque a cidade não é divisível monumento a monumento; por outro, porque é evidente a inviabilidade de uma gestão partilhada da sua administração. Alternativamente, uma gestão internacional, promovida por agentes independentes, como as Nações Unidas, poderia “neutralizar” esta questão, pelo menos temporariamente.

4 – A questão do terrorismo, sobretudo desde a vitória do Hamas em Gaza, nas legislativas de 2006, está intimamente ligada à questão fronteiriça. Israel quer evitar a todo o custo que o estabelecimento de um Estado palestiniano sensivelmente dentro das fronteiras pré-1967 sirva para que Gaza e a Cisjordânia constituam uma rampa de lançamento para a atividade terrorista. No início dos anos 2000, aliás, este receio motivou o início da construção de um muro (literalmente) entre Israel e a Cisjordânia.

Parte II - As soluções

1 – Um Estado. A ideia da construção de um Estado binacional é tão antiga quanto o próprio conflito entre israelitas e palestinianos e a exigência de um Estado governado exclusivamente por judeus ou por árabes é anterior a quaisquer ideias de partição. Com o plano de partição das Nações Unidas de 1947, que passou a ser a doutrina oficial do conflito, a ideia do binacionalismo ficou enterrada. Mas este paradigma binacional ressurgiu depois dos acordos frustrados de Camp David, em 2000. E se este era o começo do século da globalização, das fronteiras abertas e da liberdade de circulação, Israel acabou por fazer um papel anacrónico, se assim pudermos dizer, no contexto do concerto das nações, assumindo-se como um Estado especificamente judaico e não se encaixando de modo algum no puzzle internacional que aquela cimeira pretendia construir.

2 – Dois Estados. O primeiro documento a lançar as bases de um paradigma de dois Estados foi o chamado Relatório da Comissão Peel, de 1937 (e não o plano de partição das Nações Unidas, como se possa achar). Entre outros detalhes lógicos, a Comissão deixou clara a ineficiência de um paradigma de um só Estado: não se pode entregar 400.000 judeus à maioria árabe, do mesmo modo que não é exequível entregar um milhão de árabes a uma administração judaica. O que estava a ser dito é que nem os judeus aceitariam ser uma minoria de um Estado palestiniano, nem os árabes aceitariam ser uma maioria (não administrante, ainda por cima) num Estado judaico.

De acordo com esta Comissão, uma solução de dois Estados seria vantajosa para ambos os lados. Para os palestinianos, por um lado, tornar-se-ia possível obter a tão desejada independência e autonomia, que por sua vez passariam a permitir o exercício de políticas de cooperação e de desenvolvimento económico com os seus vizinhos árabes. Em segundo lugar, deixariam de estar preocupados com a sua subjugação perante o governo judaico. Em terceiro lugar, e mediante a defesa de uma administração internacional para a cidade de Jerusalém, deixaria de existir o receio de deixar nas mãos dos israelitas a administração exclusiva dos lugares sagrados. Por último, a Comissão contemplava ainda que os palestinianos fossem financiados, incluindo pelos próprios israelitas, com vista à iniciação da construção do seu Estado autónomo e soberano. Para os israelitas, por outro lado, esta solução significaria a conclusão final, e de sucesso, do projeto sionista. Remover-se-ia uma sombra da comunidade judaica, que era a hipótese de esta ficar subjugada a um poder árabe, e aos judeus do mundo inteiro seria garantida a segurança de um regresso a um Estado próprio, judaico.

3 – Três Estados. Desde 2006, a problemática israelo-palestiniana já não se trata exclusivamente de uma tensão entre Israel e a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), mas entre Israel e o Hamas, entre Israel e a ANP e entre o Hamas e a ANP. Estamos, portanto, a falar de três entidades distintas a alimentar hostilidades mútuas. Existe, em primeiro lugar, uma autoridade em Gaza que não reconhece o Estado de Israel, nem a forma como a ANP, desde Yasser Arafat, aceitou a existência e a independência deste mesmo Estado. Existe, em segundo lugar, um reconhecimento da ANP por parte de Israel, mas não um reconhecimento do Hamas. E, em terceiro lugar, existe uma ANP que reconhece Israel, mas não reconhece o Hamas para falar em nome da população palestiniana. Nestas condições, e aparentemente, a solução para o conflito passaria pela constituição de um Estado de Gaza, para além do Estado da Cisjordânia e, obviamente, o Estado de Israel. Mas a ANP e o Hamas não aceitariam o reconhecimento mútuo das suas respetivas autoridades. Para Israel, pelo contrário, a divisão de territórios, suas autoridades e administrações, significaria o enfraquecimento (proveniente da cisão) do perigo palestiniano. Finalmente, é evidente que uma disposição geográfica e política nestes termos conduziria à proliferação do conflito, ainda para mais com um grupo terrorista a assumir uma das suas frentes, o Hamas.