Opinião

O ataque do Hamas ao (atónito) Estado de Israel

Neste momento, o mundo é palco de duas guerras: Rússia-Ucrânia e Palestina-Israel, com todas as condições geopolíticas e militares para adquirir um carácter de (semi) mundiais

Em primeiro lugar, uma confissão de conflito de interesses, por um motivo pessoal: o meu bisavô (Joseph Lao Rodrigues) era um rabino, que emigrou para o Brasil, a partir da comunidade de judeus-portugueses estabelecida na Holanda. E um esclarecimento: esta crónica foi inscrita a partir de conversas com uma colega da Ben-Gurion University, de Be’er Sheva, onde fui professor-visitante e tenho colegas e amigos. Posto isso, vamos aos factos.

O conflito israelo-palestiniano tem um longo e sangrento passado histórico. Basicamente, desde a criação do Estado de Israel, em 1948, em territórios ocupados por árabes-palestinianos. Durante este período, ocorreram vários atentados, conflitos armados e guerras, com culpas e enormes baixas humanas de ambos os lados. O Grupo Hamas-sunita (Ḥarakat al-Muqāwamat al-Islāmiyyah-Movimento de Resistência Islâmica) surge dos escombros das guerras, é fruto destes conflitos. Criado em 1987, passou a ter um rigoroso controle, político, económico e militar da Faixa da Gaza, um enclave destruído situado entre o Mediterrâneo e o Deserto de Neguev, fortemente cercado e controlado pelas tropas israelitas. Foi este grupo armado que iniciou a invasão na parte sul do território israelita, no sábado passado.

A data deste ataque tem um forte simbolismo histórico: há precisamente 50 anos (1973) aconteceu a maior e a mais sangrenta de todas as guerras enfrentadas por Israel – a Yom Kippur, com o envolvimento direto do Egipto e da Síria. Nesta ocasião, ao vencer a guerra, Israel expandiu o seu território, ocupando áreas anteriormente pertencentes à Palestina, à Síria e ao Líbano, aguçando, ainda mais, o ódio mortal destas nações ao povo judeu.

Uma questão crucial que se impõe neste momento é: considerando o enorme poderio militar, principalmente no controle das suas fronteiras, e da alta eficiência dos meios de inteligência, inclusive, com a presença de agentes secretos em territórios palestinianos e infiltração no Hamas, na Faixa de Gaza, como foi possível Israel não ter conseguido prever e impedir a invasão?

Segundo a colega com quem falei, a forte divisão política na última eleição e a difícil formação do governo de Netanyahu, provocaram uma forte divisão dentro da sociedade israelita, com uma enorme polarização, materializada em conflitos e revanchismos internos e, consequentemente, o enfraquecimento de Israel. Ou seja, ao invés de combaterem o real inimigo externo (grupos armados árabes-palestinianos e libaneses), gastaram tempo, recursos e energia em desnecessários conflitos internos. Resumindo: esta divisão política levou à falha de segurança, facilitando a invasão. No entanto, tradicionalmente, em reais situações de guerra, o povo de Israel une-se em defesa da nação.

De acordo ainda com o testemunho, os alvos das agressões e mortes na região são prioritariamente civis – com assassinatos e raptos de mulheres e crianças, de Ofakim, Sderot, Netivot, que foram levadas para Gaza. Ela própria tem familiares e amigas mortas e sequestradas.

Sabemos agora que o Hezbollah-xiita (ḥizbu-'llāh – ‘Partido de Alá’), criado em 1982, no Líbano, está a atacar Israel a partir da fronteira norte. O que estes grupos têm em comum? O apoio incondicional do militarmente poderoso Irão.

Neste momento, o mundo é palco de duas guerras: Rússia-Ucrânia e Palestina-Israel, com todas as condições geopolíticas e militares para adquirir um carácter de (semi) mundiais. O mundo está divido entre duas ‘civilizações’ (na lógica de Samuel Huntington): ‘Ocidente’ (NATO, Estados Unidos e Europa), judaico-cristão, que apoia Israel, e o ‘Oriente’ (Rússia, Irão e outros países árabes-islâmicos), que apoia a Palestina.

A China, outro (se não o maior) império atualmente, observa atentamente, com a certeza de que, na lógica do seu eficiente pragmatismo, irá lucrar económico-geopoliticamente com o enfraquecimento dos Estados envolvidos nestas duas guerras.

Amanhã, há apenas uma certeza: hoje o mundo acordou ainda pior e o futuro da humanidade não é nada promissor.