O acrónimo BRICS, composto a partir das iniciais do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, passará a partir do início de 2024, com a fórmula BRICS +, a integrar a Argentina, o Irão, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia e o Egipto como novos membros.
Para além disso, como é sabido, algumas dezenas de outros países pretendem vir a integrar esta plataforma informal de cooperação à escala mundial.
A importância dos BRICS não tem a ver com a natureza dos regimes políticos ou dos sistemas económicos dos países que integram o grupo e que são muito diversos. E não é a pertença aos BRICS ou a ausência dela que vai alterar esse estado de coisas. Há todo um mundo que separa o Brasil da Arábia Saudita em matéria de respeito pelos direitos das mulheres, assim como não há comparação entre a orientação política e ideológica do Partido Comunista que dirige o Estado Chinês e do partido de direita que governa a Índia. A questão não é essa e não é essa a lógica dos BRICS.
Não faz sentido condenar a existência dos BRICS em nome de uma suposta superioridade democrática pelo facto deste mecanismo de cooperação poder integrar países com sistemas políticos manifestamente antidemocráticos, como se os países que se preocupam com o crescimento dos BRICS não mantivessem as mais estreitas relações políticas e económicas com Estados que de democrático nada têm.
Os BRICS não são, nem pretendem ser, um bloco baseado em afinidades políticas ou ideológicas ou numa lógica de imposição de valores ou modelos de governação. Integram-no países politicamente tão diversos como a autocrática Arábia Saudita e a União Indiana, que tantos apelidam como a maior democracia do mundo.
É uma evidência que a pertença aos BRICS não altera a natureza dos regimes políticos dos países que integram o grupo, nem o juízo que se faça a esse propósito. Nenhum país se torna mais nem menos democrático pelo facto de aderir aos BRICS, mas o alargamento desta plataforma de cooperação entre países tão diferentes com o propósito comum de construir uma ordem económica mundial mais justa e um mundo menos conflitual tem um sentido inegavelmente positivo.
Nas palavras do Presidente sul-africano, Ciryl Ramaphosa, que encerrou a recente cimeira, os BRICS encarnam o espírito que presidiu à Conferência de Bandung, de 1955. Num quadro marcado pela chamada Guerra Fria e pelo mundo bipolar dela decorrente, a Conferência de Bandung juntou 29 países da Ásia e de África nessa cidade da Indonésia, ainda livre da sanguinária ditadura de Suharto, imposta pelos Estados Unidos, em defesa de um mundo baseado na coexistência pacífica entre os Estados. Esta Conferência deu lugar à criação do Movimento dos Não Alinhados e constituiu um marco importante na luta contra o colonialismo e pela descolonização, pelo impulso que deu ao reconhecimento internacional do direito dos povos à autodeterminação e à independência.
Como é sabido, o fim da União Soviética, no início dos anos noventa do século passado, deu lugar a um mundo unipolar comandado pela ambição dos Estados Unidos de impor os seus valores à escala mundial por via da hegemonia política (a chamada democracia liberal como modelo único de governação), da dominação económica (o neoliberalismo resultante do consenso de Washington, imposto, sem possibilidade de alternativa, pela intervenção direta de Estados e instituições sob domínio norte-americano, como o G7, a União Europeia, o FMI ou o Banco Mundial) e da dominação militar (através da NATO e de centenas de bases militares norte-americanas disseminadas pelo mundo).
Os Estados Unidos, através dos seus gurus de serviço, proclamaram o " fim da História" e colocaram os seus poderosos meios de condicionamento ideológico, e designadamente o seu império mediático, ao serviço da difusão de um pensamento único. A hegemonia neoliberal ditada pelos Estados Unidos corresponderia a uma espécie de “ordem natural das coisas” relativamente à qual não existiria alternativa válida ao cimo da Terra.
Neste mundo unipolar, o império passou a pôr e dispor. Promoveu a desagregação forçada de países como a antiga Jugoslávia, semeou o caos na Líbia, invadiu e destruiu o Iraque e o Afeganistão, passou a certificar a validade de eleições segundo os seus padrões assimétricos e a qualificar de ditadores todos os governantes que não obedecessem aos seus critérios de submissão, por mais democraticamente eleitos que tivessem sido, e impôs relações económicas de caráter colonial através dos instrumentos de dominação económica de que dispõe, como o uso do dólar como moeda de troca universal, o FMI e o Banco Mundial, disponíveis para espoliar os países mais pobres através de empréstimos usurários, tendo como contrapartida a imposição de privatizações, de venda de ativos ao desbarato e de medidas de austeridade draconianas.
A criação dos BRICS representou fundamentalmente a recusa deste estado de coisas por um conjunto de países política e economicamente relevantes. O seu objetivo nunca foi o de impor modelos de desenvolvimento ou interferir politicamente nas opções políticas ou económicas de outros Estados, mas, através de uma ação coordenada e da criação de instrumentos próprios de intervenção, como o Banco dos BRICS, liderado por Dilma Roussef, apoiar países em desenvolvimento, sem a tutela imposta pelo FMI, que os condena à pobreza e à espoliação dos seus recursos e, por outro lado, permitir a libertação da economia mundial da ditadura do dólar através do uso das moedas nacionais (ou de uma futura unidade de conta comum) para as transações internacionais.
A dimensão que os BRICS assumem em termos territoriais, populacionais e sobretudo em termos económicos, é incontornável. A multipolaridade emergente dos BRICS e a possibilidade de cada país obter apoio ao desenvolvimento sem estar sujeito a tutelas imperiais espoliadoras dos seus recursos e castradoras da sua autodeterminação é uma boa notícia para o mundo e não deixará de ter um impacto significativo no desenvolvimento das lutas sociais que não deixarão de ocorrer em cada país de acordo com a vontade do seu povo.