A abordagem russa: aproveitamento da desconfiança africana e a entrada do Grupo Wagner
A Rússia é um país distinto de tantos outros, apostando numa estratégia cheia de irregularidades: implantação de mercenários, desinformação, interferências eleitorais, apoios em golpes de Estado, fornecimento de armas, treino militar... tudo isto para obter recursos e outros benefícios, promovendo uma ordem mundial diferente dos sistemas políticos democráticos.
O continente africano, constituído por 54 nações, vive com desconfiança pelo mundo ocidental. O motivo? O período colonial.
Vladimir Putin, ao saber disso, e uma vez isolado pelas sanções impostas pela Europa e pelos EUA, aproveitou o passado colonial do Ocidente e a sua condescendência para com África para cortejar o continente.
O cortejo tem sido feito ao longo dos anos com apoio militar e paramilitar, nomeadamente com a mobilização de forças do Grupo Wagner em África, satisfazendo assim as necessidades de países como Mali, República Centro-Africana, Líbia e Sudão.
À custa das nações africanas, Putin e Prigozhin (o líder do Grupo Wagner) acabaram por conseguir financiar uma parte da guerra na Ucrânia.
A Rússia com a faca e os cereais na mão, mas com uma relação tremida
A Rússia exporta para o continente africano maioritariamente cereais, armas e energia nuclear, sendo que quase 80% do comércio russo se concentra na Argélia, África do Sul, Egito e Marrocos.
Em troca, vários países africanos colocam-se ao lado de Vladimir Putin contra as sanções económicas impostas pela Europa e pelos EUA contra Moscovo, tendo até sugerido ao Ocidente a redução de apoio militar à Ucrânia.
Mas tal não foi suficiente para travar a Rússia de desistir do acordo que permitia a exportação de cereais para inúmeros países africanos (e europeus).
Esta decisão russa não caiu bem no seio do continente africano, nomeadamente depois de Moscovo ter decidido bombardear alguns portos ucranianos, destruindo milhares de toneladas de alimentos. Alguns países viram esta atitude como uma “facada nas costas”, prejudicando momentaneamente as relações da Rússia com o continente africano, nomeadamente em termos económicos e comerciais.
Esta situação demonstra que o Presidente russo é capaz de contornar algumas promessas feitas, utilizando o desespero africano a seu bel prazer, fazendo negócios humilhantes com aqueles que mais precisam. Para já, está disposto o ajudar África minimizando os problemas existentes naquele continente com o envio de ajuda “gratuita” a mais de 40 países, mas qual será o futuro da Rússia no continente africano?
A invasão da Ucrânia terá algum impacto nas relações russo-africanas ou será uma ameaça para o Ocidente?
A atitude da Rússia face ao continente africano, nomeadamente na questão dos cereais, ditará, muito possivelmente, uma diminuição da sua influência em África, independentemente do resultado da guerra na Ucrânia.
Para tal acontecer, os governos do Ocidente terão de confiar muito em África geopoliticamente, em vez de apostar numa estratégia de repreensão a países que já se sentem negligenciados.
Não obstante, a Rússia sempre soube aproveitar as boas relações com muitos países africanos, uma vez que as suas ambições económicas e ideológicas se alinhavam, reforçando os laços através da desconfiança mútua pelo Ocidente.
Durante as resoluções da ONU para condenar a guerra na Ucrânia em 2022, alguns países africanos viram-se numa situação geopolítica global complicada: a abstenção acabou por ser a escolha mais fácil e racional.
Essa divisão acaba por ser um ponto de partida para perceber a natureza das relações entre a Rússia e África, já que o Ocidente, incluindo a Europa, bem tentou explorar algumas posições que demonstravam enfraquecimento da influência russa em África, mas a verdade é que as votações foram um completo fracasso.
Reconheça-se que o papel da Rússia em África é impulsionado não só pelo oportunismo, mas também por convite, sendo que esse papel não é um investimento muito forte, é apenas uma estratégia geopolítica russa para fazer os países africanos acreditarem na boa vontade de Putin.
E quando os riscos superarem as recompensas?